São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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"Hamlet é um personagem engraçadíssimo", diz ator

Wagner Moura afirma ser possível achar leveza no trágico príncipe shakespeariano

Fascinado desde os 15 anos pela história do homem que deseja vingar a morte do pai, ele encarna o papel a partir de 20 de junho, na Faap

Luciana Whitaker/Folha Imagem
Wagner Moura e Tonico Pereira ensaiam, num galpão do Rio,
como Hamlet e Cláudio na versão dirigida por Aderbal Freire-Filho


LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A inscrição "the noble art of wasting time" (a nobre arte de perder tempo) na camiseta branca que Wagner Moura, 31, veste ao chegar ao galpão do Jardim Botânico onde ensaia "Hamlet" soa como um chiste.
Em oito anos, desde que foi revelado no espetáculo "A Máquina", o ator baiano enfileirou 13 longas-metragens (o 14º, "Romance", estréia em breve), duas peças, duas novelas, uma minissérie e um humorístico.
A ironia parece emprestada do personagem-título da tragédia de William Shakespeare -com quem o ator divide corpo e pensamentos há quatro meses, nos ensaios da montagem que estréia no próximo dia 20, na Faap, em São Paulo.
"Acho o humor fundamental. Hamlet é um personagem engraçadíssimo. É dono de uma ironia e de uma inteligência muito grandes. Inteligência e humor são parceiros, e eu procuro sempre trazer humor àquilo que faço", diz ele.
Ora, mas não é de um jovem sorumbático em busca de vingança pela morte do pai (e acossado por dúvida e culpa) que se trata? "Nada é uma coisa só: ele não é esse personagem monolítico, esse príncipe triste, angustiado, filosófico e pesado. Tem a leveza do humor, e a loucura [que Hamlet finge para levar a cabo sua desforra] contribui para isso, porque o louco pode falar as maiores barbaridades", defende Wagner.
Foi aos 15 anos, numa "dessas traduções que falam difícil", que o ator descobriu que havia algo de podre no reino da Dinamarca. "Hamlet ficou como um paradigma de grande personagem, uma coisa ao mesmo tempo bela e quase inalcançável. O tempo passava, e eu alimentava secretamente a fantasia de fazê-lo." Ou nem tão secretamente assim, a julgar pelos "sete ou oito [DVDs de versões de] "Hamlet'" que tem em casa.
Aos 31, ansioso por regressar ao teatro (o hiato durava três anos, desde o fim da temporada de "Dilúvio em Tempos de Seca", dirigida pelo mesmo Aderbal Freire-Filho de agora), resolveu encarar o "personagem indomável" de Shakespeare.
Nada a ver, ele garante, com um possível esforço para se descolar do capitão Nascimento de "Tropa de Elite".
"Não me preocupo nem um pouco com isso. Sou ator, já fiz tanta coisa. Que bom que fiz um personagem que foi um sucesso incrível. Estava mesmo com vontade de voltar ao teatro, me abastecer. Mas é claro que se alguém me ligasse dizendo: "Quer fazer um filme em que você vive um policial?", eu responderia: "Não, peraí, cara"."

"Rose, me deixe gato"
Na sessão de fotos para esta reportagem, Wagner hesita em vestir o figurino do personagem ("Não sei fazer cara de Hamlet") e, a cada brecha, procura o espelho para ajeitar a franja ou endireitar o cabelo. Antes dos cliques, pede à cabeleireira: "Rose, me deixe gato".
"É piada, cara", desconversa, ao ser indagado sobre traços de vaidade. E faz troça do próprio ego: "Antigamente, gostava quando diziam que eu era talentoso. Hoje, estou gostando quando falam que sou bonito".
Gaiatices à parte, Wagner reconhece a dimensão do desafio que tem pela frente em seu primeiro Shakespeare. "É violento dizer essas palavras que foram escritas há 400 anos, já declamadas por tantas gerações de atores, numa peça que representa tanto para a história do teatro ocidental."
Laurence Olivier e Ethan Hawke, em Hollywood, e Sérgio Cardoso e Diogo Vilela, por aqui, são só quatro dos muitos que encarnaram o príncipe nos palcos e no cinema. Ainda falta iluminar alguma faceta de sua personalidade?
"[O dramaturgo inglês] Steven Berkoff diz que não há erro de escalação para Hamlet: qualquer ator pode fazê-lo e não será jamais parecido com outro, pois, em certa medida, todos somos um pouco Hamlet. Ele é tão grande que nos comporta todos", observa, hiperbólico.
A tradução de Freire-Filho, Wagner e Barbara Harrington busca estabelecer diálogo justamente com esse "Hamlet de cada um". "Não é exatamente uma peça fácil, mas é comunicativa e tem um protagonista carismático, capaz de seduzir o espectador. Tentamos eliminar um pouco do hermetismo, trazer para a linguagem atual", explica Wagner, também produtor do espetáculo.
O cenário minimalista e os figurinos simples, que em nada lembram o fausto do período elizabetano em que Shakespeare viveu, também visam aproximar a tragédia da contemporaneidade. "Pedi ao Aderbal: "Tudo, menos collant'", diverte-se Wagner, para logo relativizar a "transgressão": "Mas é claro que ninguém vai aparecer com terno Armani ou bolsa Gucci".

Sua Mãe
Quando Hamlet largar dele e voltar para a Elsinore natal, Wagner pretende "lançar os tentáculos". Um deles é a banda soteropolitana Sua Mãe, que reverencia estrelas "do que se convencionou chamar de música brega" (Márcio Greyck e Odair José aí compreendidos). Estrear na direção teatral é outro projeto. Jornalista de formação, ele também se arrisca na pena: algum tempo atrás, esboçou uma peça sobre o medo, mas agora não sabe se levará o texto adiante.
O ímpeto de colocar idéias no papel costuma aflorar quando Wagner se aborrece com a "indústria de celebridade, essa coisa boba toda" ("Outro dia, um garoto de um programa de pegadinhas jogou uma meleca na minha cabeça") ou a "espetacularização da mediocridade" ("É um horror a repetição das imagens daquela menina [Isabella Nardoni] na TV").
"Não quero fazer parte disso, não gosto, não acho saudável", afirma.
Em suma, temas nos quais Wagner não investe a nobre arte estampada naquela sua camiseta branca.


Com BRUNA BITTENCOURT , colaboração para a Folha .


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