São Paulo, segunda-feira, 01 de julho de 2002

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CRÍTICA

"Ataque dos Clones" reafirma mitologia de George Lucas

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Se uma palavra se aplica à série "Star Wars", ela é mitologia. Tudo que envolve a empreitada de George Lucas tem alguma relação com o mito. À medida que os episódios se sucedem, os personagens e situações propostas mudam. No entanto tudo tende à permanência, operando sobre conceitos imutáveis.
Em "Ataque dos Clones" reencontramos Anakin Skywalker, o menino do episódio inaugural (de 1999), agora adolescente. O motivo essencial do filme é a oscilação do caráter de Anakin, que, como se sabe, tem qualidades excepcionais, mas revela tendências que o distanciam da comunidade jedi. É o "lado negro" se manifestando e já prefaciando sua transformação no vilanesco Darth Vader.
A República também se mostra conflitiva. Para enfrentar os rebeldes liderados pelo conde Dookan, ela decreta uma espécie de lei marcial e opta por criar exércitos. Para combater o mal, ela recorre às armas do mal, ela própria tendendo, com isso, à deterioração.
A questão política é manifesta em "Ataque dos Clones", na medida em que essa operação enfraquece a comunidade guerreira, de força fundada na sabedoria (ao contrário dos exércitos de clones, produzidos em série e não dotados de linguagem). O que periclita no episódio é a idéia de "valor" associada originalmente aos jedi.
Como no episódio de 99, dá-se a convivência entre um futuro tecnologizado e um primitivismo. Essa equivalência entre passado e futuro não é casual e hoje pode ser vista como pedra de toque da mitologia de Lucas, constituída sobre polaridades muito claras que remetem a um conflito perene entre posições, que se repetiriam desde os primórdios da espécie humana e, supõe-se, são comuns a qualquer galáxia onde haja vida.
Esse procedimento já vinha desde o "Guerra nas Estrelas" original, de 1977. Humanos (ou seu correspondente) convivem tanto com robôs como com seres híbridos, como Jar-Jar Binks. O modo de vida ocidental é permeado pelo oriental (Yoda é um mestre oriental). O essencial é que os seres representados sejam caracterizados como de exceção, no que se assemelham aos deuses gregos.
Mas é também ao próprio cinema que o caráter mitológico se refere. Quando a série começa, nos anos 70, o cinema já não tinha um "star system" ativo. Até 1950 ou 60, os artistas também constituíam um olimpo. Cada tipo reproduzia as potencialidades do homem comum (a vamp Dietrich, o impulsivo Cagney etc.).
A TV, ou o tempo, ou ambos dilaceraram essa relação de distância com os astros. Por tabela, colocaram em questão a própria supremacia de Hollywood.
A operação "Star Wars" consistiu assim, em grande parte, em substituir os velhos astros por galáxias, estrelas, naves, asteróides etc. Propôs um mundo que não estivesse ao nosso alcance. Ao mesmo tempo, Lucas restabeleceu o conceito de espetáculo. Não que ele não existisse mais. Mas "2001", por exemplo, é tão espetacular quanto intelectual. Com Lucas, rebaixa-se o aspecto intelectual para reinstaurar o aspecto plenamente épico do cinema.
Pode-se discutir se isso veio para bem ou mal. O que não se pode é negar a força e a inteligência do projeto, que "Ataque dos Clones" reafirma plenamente. Cinema de pura ação. E inventivo.
"Star Wars" é a essência da Hollywood moderna. Se é o "blockbuster" por excelência, não se pode confundi-lo com a maior parte dos "blockbusters" existentes: não é cinema de fórmula. Ou antes, se fórmula existe, "Star Wars" é que a inventa.


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