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CRÍTICA
"Ataque dos Clones" reafirma mitologia de George Lucas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Se uma palavra se aplica à série "Star Wars", ela é mitologia. Tudo que envolve a empreitada de George Lucas tem alguma
relação com o mito. À medida que
os episódios se sucedem, os personagens e situações propostas
mudam. No entanto tudo tende à
permanência, operando sobre
conceitos imutáveis.
Em "Ataque dos Clones" reencontramos Anakin Skywalker, o
menino do episódio inaugural (de
1999), agora adolescente. O motivo essencial do filme é a oscilação
do caráter de Anakin, que, como
se sabe, tem qualidades excepcionais, mas revela tendências que o
distanciam da comunidade jedi. É
o "lado negro" se manifestando e
já prefaciando sua transformação
no vilanesco Darth Vader.
A República também se mostra
conflitiva. Para enfrentar os rebeldes liderados pelo conde Dookan,
ela decreta uma espécie de lei
marcial e opta por criar exércitos.
Para combater o mal, ela recorre
às armas do mal, ela própria tendendo, com isso, à deterioração.
A questão política é manifesta
em "Ataque dos Clones", na medida em que essa operação enfraquece a comunidade guerreira, de
força fundada na sabedoria (ao
contrário dos exércitos de clones,
produzidos em série e não dotados de linguagem). O que periclita
no episódio é a idéia de "valor" associada originalmente aos jedi.
Como no episódio de 99, dá-se a
convivência entre um futuro tecnologizado e um primitivismo.
Essa equivalência entre passado e
futuro não é casual e hoje pode ser
vista como pedra de toque da mitologia de Lucas, constituída sobre polaridades muito claras que
remetem a um conflito perene entre posições, que se repetiriam
desde os primórdios da espécie
humana e, supõe-se, são comuns
a qualquer galáxia onde haja vida.
Esse procedimento já vinha desde o "Guerra nas Estrelas" original, de 1977. Humanos (ou seu
correspondente) convivem tanto
com robôs como com seres híbridos, como Jar-Jar Binks. O modo
de vida ocidental é permeado pelo
oriental (Yoda é um mestre oriental). O essencial é que os seres representados sejam caracterizados
como de exceção, no que se assemelham aos deuses gregos.
Mas é também ao próprio cinema que o caráter mitológico se refere. Quando a série começa, nos
anos 70, o cinema já não tinha um
"star system" ativo. Até 1950 ou
60, os artistas também constituíam um olimpo. Cada tipo reproduzia as potencialidades do
homem comum (a vamp Dietrich, o impulsivo Cagney etc.).
A TV, ou o tempo, ou ambos dilaceraram essa relação de distância com os astros. Por tabela, colocaram em questão a própria supremacia de Hollywood.
A operação "Star Wars" consistiu assim, em grande parte, em
substituir os velhos astros por galáxias, estrelas, naves, asteróides
etc. Propôs um mundo que não
estivesse ao nosso alcance. Ao
mesmo tempo, Lucas restabeleceu o conceito de espetáculo. Não
que ele não existisse mais. Mas
"2001", por exemplo, é tão espetacular quanto intelectual. Com Lucas, rebaixa-se o aspecto intelectual para reinstaurar o aspecto
plenamente épico do cinema.
Pode-se discutir se isso veio para bem ou mal. O que não se pode
é negar a força e a inteligência do
projeto, que "Ataque dos Clones"
reafirma plenamente. Cinema de
pura ação. E inventivo.
"Star Wars" é a essência da
Hollywood moderna. Se é o
"blockbuster" por excelência, não
se pode confundi-lo com a maior
parte dos "blockbusters" existentes: não é cinema de fórmula. Ou
antes, se fórmula existe, "Star
Wars" é que a inventa.
Avaliação:
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