São Paulo, sexta-feira, 01 de julho de 2005

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CINEMA/"O HOMEM DAS NOVIDADES"

Keaton se reafirma como o maior cômico

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Desde os anos 60, quando Buster Keaton foi redescoberto, a dúvida percorre os cinéfilos do mundo inteiro. Quem foi o maior cômico de todos os tempos: Keaton ou Charles Chaplin?
A resposta, com freqüência, é Keaton. Pesa nisso o "fator redescoberta": Chaplin foi saudado como o primeiro (e na época único) gênio do cinema, aquele que estava acima das taras de uma arte menor. De certa forma, todos nos cansamos de incensá-lo. Keaton era uma alternativa viável, com a vantagem de fazer o cinéfilo se sentir um privilegiado, um tanto superior ao vulgo que admirava Carlitos incondicionalmente.
"O Homem das Novidades", que hoje volta ao cartaz em São Paulo, tende a fazer a balança pesar para o lado de Keaton. Ele foi um comediante exemplar, mas, mais do que isso, foi um grande cineasta. Podemos imaginar as "gags" de Carlitos no teatro. As de Buster Keaton, não. Ao contrário de Chaplin, Keaton não ocupava o centro da cena. Em seus filmes, o espaço cinematográfico é essencial para o efeito, tanto quanto o próprio ator. Nesse sentido, e com a ajuda do competentíssimo Edward Sedgwick, Buster Keaton é realmente incomparavelmente superior a Chaplin. Foi alguém que compreendeu profundamente o cinema e um dos maiores diretores do período mudo.
A história que se conta não tem, de modo nenhum, a dimensão que tinham os filmes de Chaplin. Aqui vemos um candidato a cameraman que se apaixona pela secretária de uma firma de cinejornais e cuja especialidade parece ser a de quebrar o vidro do escritório com seu aparelho.
Não é muito -nem é preciso tomar Charles Chaplin como parâmetro. No entanto, à medida que o filme se desenvolve, nosso cameraman vai entrando, com seu jeito impassível, numa espécie de espiral delirante de eventos que o tomam de assalto.
Keaton não é um desastrado. É alguém que procura controlar da maneira mais racional possível um mundo que insiste em escapar ao seu desejo de controle.
Como todo cômico, ele faz suas trapalhadas, mas essa não é a essência de seu estar no mundo, e, sim, a aplicação incomum naquilo que faz. Trata-se, no mais, de um personagem melancólico, metódico, obstinado. A obstinação é que faz "O Homem das Novidades" ser o que é, pois sem ela seria inconcebível alguém se expor aos riscos que Buster Keaton corre, por exemplo, na seqüência do bairro chinês.
Keaton ainda deve ser, para muitos, uma novidade. Melhor: esse homem de rosto melancólico, que não parece disposto a acreditar na inocência do mundo para fazer humor, terá para essas pessoas o gosto das grandes e insubstituíveis descobertas.


O Homem das Novidades
The Cameraman
    
Direção: Edward Sedgwick
Produção: EUA, 1928
Com: Buster Keaton, Marceline Day, Harold Goodwin
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco e no Frei Caneca Unibanco Arteplex


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