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Marco cultural, Sopranos se despedem
TV paga brasileira exibe os últimos nove episódios da série, considerada revolucionária pela crítica e pela academia
Último episódio da produção sobre família de mafiosos foi visto nos EUA em 12 milhões de lares, de um total de 30 milhões
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Você percebe que uma obra
de ficção cruzou a tênue fronteira do entretenimento em direção ao marco cultural quando analistas e colunistas políticos comparam o atual ocupante da Casa Branca ao seu personagem principal -e esse se sai
melhor na comparação-, e a
mais bem-colocada líder de
oposição na corrida presidencial é chamada pelo nome da
mulher desse personagem.
"The End of Soprano Administration" (o fim do governo
Soprano) é o título de uma edição recente da revista "Time",
em que a semanal de informação relaciona os feitos de George W. Bush em seus seis anos de
mandato aos de Tony Soprano
nas seis temporadas da série de
TV que começam a ter os nove
episódios finais exibidos hoje à
noite no Brasil, pela HBO.
(O SBT também exibe "Família Soprano", mas ainda está
na terceira temporada; de qualquer maneira, vale ficar atento
ao desagradável hábito do canal
pago de reprisar episódios).
Em coluna no "New York Times", Maureen Dowd, uma das
principais comentaristas políticas do jornal, critica a decisão
de Hillary Clinton de ter feito
propaganda política com uma
paródia do polêmico último
episódio da série, dizendo que
Carmela (Edie Falco) tolerou
as infidelidades do marido em
troca de jóias -e a ex-primeira-dama fez o mesmo em troca da
Casa Branca?, compara.
"Você só tem esse tipo de atitude com obras canônicas, e "Os
Sopranos" é positivamente a
melhor série dramática da história da TV", disse à Folha David Lavery, titular da cadeira de
estudos televisivos da Universidade Brunel, de Londres. Antes da série, compara ele, os caracteres dos protagonistas tinham menos nuanças, e a ambigüidade só era aceita até certo ponto. "David Chase mudou
tudo isso", afirma, referindo-se
ao criador da série.
Lavery é autor de dois livros
sobre o programa, "This Thing
of Ours" (Essa nossa coisa, expressão que os personagens
usam para se referir à Máfia) e
"Reading the Sopranos" (Lendo os Sopranos), em que reúne
ensaios de acadêmicos de diversas áreas sobre o seriado.
Organiza ainda "The Sopranos
- A Wake" (um funeral, na tradição irlandesa celebrizada pelo escritor James Joyce), seminário a ser realizado em 2008
pela Universidade Fordham,
em Nova York.
Ele é o mais conhecido de
uma série de estudiosos que,
desde 1999, quando o primeiro
episódio foi ao ar, se dedicam a
dissecar "Sopranos" e sua importância para a cultura norte-americana. Foi então e nos
próximos 85 capítulos que David Chase, um nativo de Nova
Jersey, começou a contar a improvável saga do líder de uma
família de mafiosos daquele
Estado, interpretado por James Gandolfini.
Divã
Tudo começa quando Tony
Soprano procura uma analista
(Lorraine Bracco) por conta
dos ataques de ansiedade que
vem tendo e por suspeitar que
sua mãe (a atriz Nancy Marchand, que trabalharia em 26
episódios e morreria em 2000)
está planejando matá-lo, com a
ajuda do tio do mafioso. A relação entre mãe e filho é vagamente baseada na relação do
próprio Chase com sua mãe em
particular e os pais em geral.
Em entrevista recente, ele
conta, rindo, que visitou a família no mesmo lugar em que
cresceu, no norte do Estado,
anos depois de ter saído de casa
em direção a Hollywood para
tentar a sorte. Na volta, ele já
era David Chase, o criador de
"Sopranos", um dos nomes
mais conhecidos do meio. Estava acompanhado da mulher,
que ainda não conhecia os sogros. Seu pai abriu a porta,
olhou para ele e disse: "Gosto
de tudo o que você está usando,
menos os sapatos".
"Chase usa a Máfia como metáfora das complicadas experiências familiares que todos
nós temos e com isso consegue
atrair um público mais diversificado", disse à Folha Douglas
L. Howard, co-diretor do departamento de inglês da faculdade de Suffolk e autor de
"Tasting Brylcreem - Law, Disorder, and the FBI in the Sopranos" (O gosto da brilhantina - lei, desordem e o FBI em
"Os Sopranos")
Os números o amparam. O
último episódio da série, que
foi ao ar nos EUA em 10 de junho último, foi visto em 12 milhões de lares, um número impressionante quando se leva
em conta que a HBO nos EUA
chega a 30 milhões de casas,
que pagam cerca de US$ 40
mensais pelo pacote, e que apenas um programa da TV aberta,
que atinge 111 milhões de lares,
conseguiu bater esse total no
mesmo horário. A partir das
22h de hoje (horário de Brasília) e pelos próximos domingos, o assinante brasileiro confere se é tudo o que estão falando. Ou espera pelo DVD nacional, a sair em novembro.
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