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OPINIÃO
Nós, do teatro, a invejávamos
Pina Bausch sacaneava o balé clássico e era a "senhora Beckett" da dança
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Meu Deus, o que dizer?
Morreu a maior de
todas ou de todos.
Morreu aquele inventor que todos nós do teatro invejávamos.
Sim, esse é o termo. Invejávamos, pois Pina Bausch conseguiu reunir com seu visionarismo inacreditável a "obra de arte total" (termo criado por Richard Wagner), com poucos
elementos minimalistas, duplicados, ampliados até um ponto
de erupção, como um vulcão.
Sim, seus bailarinos repetiam e repetiam temas obsessivos da impossibilidade entre a
relação entre homem e mulher,
e a mulher objeto. É claro, Pina
sacaneava o próprio balé clássico no qual se formou.
Eram horas de cena sobre como fazer um movimento clássico ou exercício de barra. Eram
horas sempre lindas e lúdicas,
de uma lágrima caindo lentamente de um só olho de uma
bailarina e atriz, formada em
seu teatro na pequena cidade
de Wuppertal.
Pina Bausch foi alguém que
abriu uma nova página na dramaturgia da dança e do teatro.
Tivemos poucos. Muito poucos. Bob Wilson e Tadeuz Kantor e poucos outros construíram um dicionário, um vocabulário reconhecível e imitado
mundo afora.
Tenho que confessar que assisti a todos os seus trabalhos,
desde os mais convencionais,
até os últimos, baseados em cidades pelas quais perambulava
pelo mundo. Pina está acima do
nosso julgamento.
Nos últimos tempos, estranhamente, ela estava basicamente trilhando uma espécie
de revisitação do que parece ter
sido o início da vida e carreira
de Bob Wilson (baseado no autismo de Christopher Knowles), usando diálogos desconexos e mais minimalistas do
que nunca: "Posso te amar?".
"Nããããoooo!!!" "Posso te amar
por um dia?" "Nããããooooo!!!!"
Pina é Beckett puro. Aliás, os
dois se encontraram. É a única
coisa que tínhamos em comum.
Nos encontramos duas vezes,
em turnês comuns pelo mundo, e poucas palavras trocamos.
E era sobre Samuel Beckett que
falávamos. Pina construiu uma
obra gigantesca e monumental.
Estou impactadíssimo com a
notícia de sua morte.
Como todo gênio, será estudada, amada e reverenciada pelas décadas que virão. E aquela
lágrima que escorria pelo rosto
daquela bailarina? Agora escorre no meu e profundamente.
Pina foi a pedra fundamental
para toda uma geração (ou várias). Nunca se recuperou da
morte do marido. Nunca se recuperou da tragédia da vida, da
"dor do mundo" que carregava
e que está pontuada em sua
obra com tanta delicadeza.
GERALD THOMAS é autor e diretor de teatro.
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