São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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MÔNICA BERGAMO

As cidades invisíveis

Ciete Silvério/Folha Imagem
No último fim de semana das férias, o movimento no aeroporto de SP (ao lado) cresce até 20%; no Terminal Tietê são 70 mil passageiros/dia


Eles não são cidades. Se fossem, o Aeroporto Internacional de São Paulo e o Terminal Rodoviário Tietê estariam entre as dez maiores do Estado e figurariam entre os destinos mais procurados para este fim de semana, que é o último das férias do meio do ano.

Com média de 90 mil pessoas/dia, entre passageiros e funcionários, o Terminal Tietê tem "população" mensal de 2,7 milhões "habitantes", superado somente pela capital. Logo atrás vem o Aeroporto André Franco Montoro, por onde passaram 1,15 milhão de pessoas em julho, segundo estimativa da Infraero. Quase a população de Guarulhos, que é de 1,07 milhão.

"Um aeroporto é uma cidade que dá mais trabalho administrar porque tudo tem de ser 24 horas", diz o superintendente Miguel Choueri, 54, o "prefeito". Ele, ex-secretário das prefeituras de São Paulo e de Guarulhos, vê outra diferença: seria uma cidade em que, pela renda, quase todo mundo é da classe A.

Essa "elite" representa uma receita anual de cerca de R$ 500 milhões para o aeroporto, algo como R$ 1,5 milhão por dia, segundo cálculo de Choueri. As "marginais" desta cidade são as duas pistas de pouso e decolagem: fechar uma delas por um dia pode representar um prejuízo de até R$ 3 milhões.

"Além de deixar de receber cargas e taxas de aviação, diminui o número de passageiros consumindo dentro dos terminais", explica Marçal Goulart, gerente de operações que atua como um "secretário de governo. Por isso, as pistas geralmente só fecham quando o tempo fecha. Literalmente. Como no dia que um raio abriu um buraco no meio de uma delas, atrasando os vôos. Nesses casos, os 52 poucos e decolagens feitos em um hora caem para 36.

A pouco mais de 300 m das pistas fica o pulmão da "cidade", que (quase) ninguém conhece. Trata-se de um viveiro de plantas e um bosque com quase 400 espécies vegetais. De lá vêm os 3.000 vasos que decoram o aeroporto. Acontece que o ar-condicionado queima as folhas, e, de tempos em tempos, as plantas precisam ser encaminhadas para a UTI, uma estufa onde recebem cuidados como terra nova. Também há casos de danos sérios a algumas delas, como a schefflera, árvore de folhas grandes que é comida em alguns lugares do Oriente e não sobreviveu à fome de uma família que esperava o vôo.

O lugar é uma espécie de parque Ibirapuera onde se ouvem turbinas em vez do canto de pássaros. É que as aves são inimigas dos aviões e precisam ser mantidas longe. Isso é trabalho para o paisagista e "guarda florestal" Valnei Dias, 45. Ele segue uma série de regras de segurança.

Exemplo: não pode plantar árvores com copas densas, o que atrairia as aves. E precisa ficar atento à altura da grama. Com mais de 20 cm, se torna acolhedora para ninhos; curta demais, deixa à mostra alimentos em potencial como minhocas e insetos. O lugar tem até um lago com pontezinha onde vivem 300 peixes, a maioria carpas.

Do outro lado de São Paulo, o Terminal Tietê também vai ganhar um chão verde, mas um pouco mais humilde. Após negociação com a prefeitura a administração da rodoviária irá cuidar de uma praça degradada vizinha. É mais um passo de uma revitalização que começou em 2002 com investimento de R$ 15 milhões. As mudanças deram cara de shopping center ao local, que ganhou perfumarias e área com acesso à internet.

Nada que encha os olhos de José Alves Florêncio, o Zelão, 68, carregador de bagagens mais antigo do terminal. Começou a transportar malas dos viajantes há 42 anos e veio de Caraúbas, na Paraíba, pouco antes, aos 19. "Ninguém carregou minha mala quando cheguei", conta, enquanto pega um carrinho para levar mais carga.

Malas perdidas são bastante comuns tanto no Tietê quanto no Franco Montoro. Assim, é natural que os setores de achados e perdidos de ambos sejam lugares onde há de tudo. "Não sei como alguém perde uma muleta. Só pode ser milagre", diz Jerusa Aparecida, 22, encarregada do serviço na rodoviária.

Ela recebe R$ 390 mensais, o mesmo "que todas as recepcionistas, só que com muito mais trabalho". Sua tarefa é catalogar à mão todos os objetos que chegam ao setor e tomar conta deles, armazenados em uma sala improvisada atrás de um banheiro de funcionários.

Em fins de semana como este, de fim de férias, são perdidas até 30 bolsas por dia. Dobra a média diária de dez documentos encontrados. "E ainda tenho de sorrir", diz, com a simpatia que aprendeu aos 12 anos, quando era promotora de vendas.

Em Guarulhos os achados são guardados em salas com ar-condicionado e catalogados em computadores. O curioso é que lá é comum encontrar casos de gente que não perde malas, mas as deixa para trás quando o excesso de bagagem é mais caro do que o que se pretendia levar.

Quando alguém perde dinheiro, a situação é mais complicada. Se o passageiro não tinha declarado o valor ao entrar no país, só verá a cor depois de se entender com a Polícia Federal. Foi o que aconteceu com um viajante do Japão, que perdeu um sobretudo. No bolso, US$ 20 mil, que recuperou graças a um faxineiro que entregou o casaco num guichê de informações.

Depois de três meses, os objetos achados na rodoviária são doados a instituições de caridade. Os do aeroporto ainda esperam destino, por uma questão burocrática: como os terminais são operados por uma empresa pública, é preciso uma autorização especial para escolher uma entidade e fazer a doação.

Entre as salas de embarque, há espaço para quem quer pedir proteção divina antes dos vôos - uma capela onde acontecem cultos católicos, evangélicos e messiânicos todos os dias. Para atender aos muçulmanos, que precisam orar na direção de Meca, foi instalada uma rosa dos ventos na parede.

Na quarta, 28, era ao lado dela que, de olhos fechados, rezava o empresário Dimas Pukevicz, antes de embarcar para Miami. "É uma forma de ocupar o tempo", disse ele antes de partir para os últimos dias de férias.



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