São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2005

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Evento discute documentários

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Se falta um consenso sobre a existência ou não de uma crise criativa na indústria cinematográfica, Hollywood dá sinais de cansaço. Tanto que parece buscar credibilidade no fator "filme baseado em fatos reais", hoje quase um gênero à parte. Normal, então, que ficção e documentário percam de vista seus limites, e que este último ganhe popularidade e seja campo propício para experimentações diversas.
A questão sobre essa mistura de universos também perpassa boa parte da produção brasileira recente e é tema da Semana DOC/ FIC, série de palestras e oficinas que acontece de hoje a sábado no Cinesesc.
"A zona de contágio entre ficção e documentário é promissora; vivemos um ótimo momento de quebra de tabus", afirma o diretor Kiko Goifman. Amanhã, ele faz palestra sobre a questão usando seu filme "33" (2003), que será exibido no evento como exemplo de novas linguagens. "Chega de ser chato, de fazer documentários que parecem com enciclopédias. Os diretores repararam que é possível fazer experiências."
Para Goifman, sua própria vida alimenta "33". Usando uma estrutura de noir, o diretor resolve partir em busca de sua (desconhecida) mãe biológica. Inclui-se na narrativa e manipula detalhes da realidade, algo bem longe do conceito de documentários pedagógicos de outros tempos, feitos de rigorosas verdades. "A verdade passa além. Meu filme continua tendo relação com o real." Como exemplo de "mentira", ele cita a montagem de seu filme. Uma cena que aconteceu logo no início das gravações (referente a uma cartomante) foi colocada no final do documentário para "criar suspense". Algo impensável caso se tratasse de uma produção tradicional, que seguisse o registro cronológico dos fatos.
"Hoje em dia, não é a verdade o que importa, mas, sim, a verossimilhança", afirma o diretor Jorge Bodanzky, de "Iracema - Uma Transa Amazônica" (1975/1980), filme que retrata os problemas da população carente da região. Entre eles, a história da personagem-título, menina que se envereda pelos caminhos da prostituição.
"É um filme que mescla drama e documentário. Você não sabe se Iracema é um personagem ou se é uma pessoa de verdade. Mas isso não importa nada", afirma Bodanzky, que também vai falar sobre seu filme. Na quinta e na sexta, o diretor exibe o documentário "Era uma Vez Iracema", que será incluído como material extra do DVD de "Uma Transa Amazônica", previsto para ser lançado em outubro.
"O documentário deixou de ser somente a captação da realidade, produção em que havia a intenção da isenção", diz a professora do Departamento de Cinema Rádio e TV da ECA-USP Maria Dora Mourão, que faz uma palestra hoje. "Antes de mais nada, temos que nos perguntar o que é real. A verdade é do realizador de um filme, o que significa que não se trata de uma verdade absoluta."
Ela cita o caso célebre que resultou no documentário -que não será exibido no evento- "Ônibus 174", de José Padilha, sobre o seqüestro de um coletivo da linha 174, que terminou em tragédia, no Rio. "Em determinado momento, o seqüestrador começa a representar quando vê as câmeras dos telejornais. Houve um sistema de representação desde o início."


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