|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Evento discute documentários
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se falta um consenso sobre a
existência ou não de uma crise
criativa na indústria cinematográfica, Hollywood dá sinais de
cansaço. Tanto que parece buscar
credibilidade no fator "filme baseado em fatos reais", hoje quase
um gênero à parte. Normal, então, que ficção e documentário
percam de vista seus limites, e que
este último ganhe popularidade e
seja campo propício para experimentações diversas.
A questão sobre essa mistura de
universos também perpassa boa
parte da produção brasileira recente e é tema da Semana DOC/
FIC, série de palestras e oficinas
que acontece de hoje a sábado no
Cinesesc.
"A zona de contágio entre ficção
e documentário é promissora; vivemos um ótimo momento de
quebra de tabus", afirma o diretor
Kiko Goifman. Amanhã, ele faz
palestra sobre a questão usando
seu filme "33" (2003), que será
exibido no evento como exemplo
de novas linguagens. "Chega de
ser chato, de fazer documentários
que parecem com enciclopédias.
Os diretores repararam que é possível fazer experiências."
Para Goifman, sua própria vida
alimenta "33". Usando uma estrutura de noir, o diretor resolve
partir em busca de sua (desconhecida) mãe biológica. Inclui-se na
narrativa e manipula detalhes da
realidade, algo bem longe do conceito de documentários pedagógicos de outros tempos, feitos de
rigorosas verdades. "A verdade
passa além. Meu filme continua
tendo relação com o real." Como
exemplo de "mentira", ele cita a
montagem de seu filme. Uma cena que aconteceu logo no início
das gravações (referente a uma
cartomante) foi colocada no final
do documentário para "criar suspense". Algo impensável caso se
tratasse de uma produção tradicional, que seguisse o registro cronológico dos fatos.
"Hoje em dia, não é a verdade o
que importa, mas, sim, a verossimilhança", afirma o diretor Jorge
Bodanzky, de "Iracema - Uma
Transa Amazônica" (1975/1980),
filme que retrata os problemas da
população carente da região. Entre eles, a história da personagem-título, menina que se envereda
pelos caminhos da prostituição.
"É um filme que mescla drama e
documentário. Você não sabe se
Iracema é um personagem ou se é
uma pessoa de verdade. Mas isso
não importa nada", afirma Bodanzky, que também vai falar sobre seu filme. Na quinta e na sexta, o diretor exibe o documentário
"Era uma Vez Iracema", que será
incluído como material extra do
DVD de "Uma Transa Amazônica", previsto para ser lançado em
outubro.
"O documentário deixou de ser
somente a captação da realidade,
produção em que havia a intenção da isenção", diz a professora
do Departamento de Cinema Rádio e TV da ECA-USP Maria Dora
Mourão, que faz uma palestra hoje. "Antes de mais nada, temos
que nos perguntar o que é real. A
verdade é do realizador de um filme, o que significa que não se trata de uma verdade absoluta."
Ela cita o caso célebre que resultou no documentário -que não
será exibido no evento- "Ônibus
174", de José Padilha, sobre o seqüestro de um coletivo da linha
174, que terminou em tragédia, no
Rio. "Em determinado momento,
o seqüestrador começa a representar quando vê as câmeras dos
telejornais. Houve um sistema de
representação desde o início."
Texto Anterior: Literatura: Da tela, "Cidade de Deus" volta à literatura Próximo Texto: Televisão: TVs disputam obra de Janete Clair Índice
|