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ENTREVISTA
JUCA FERREIRA
"Não se muda uma lei baseado só na vontade"
Novo ministro da Cultura diz que falta de unidade nas propostas retardou envio ao Congresso do projeto de mudanças na Lei Rouanet, o que fará assim que tomar posse; ele cobra mais verbas do governo: "Política pública tem que ter orçamento"
MINISTRO INTERINO da Cultura, no entanto seguro de ser efetivado no cargo
pelo presidente Lula neste mês, Juca
Ferreira planeja sua primeira ação
após a posse: o envio ao Congresso Nacional de projeto de lei que reformula o sistema de financiamento à
cultura. O projeto significa a concretização da reforma da Lei Rouanet -prometida desde a campanha de
Lula às eleições de 2002-, além de prever o aumento
de verbas federais para o Ministério da Cultura (a 2%
do orçamento da União) e a instituição de um fundo
de recursos sem amarras, que o MinC possa aplicar no
fomento à produção artística no país.
Em entrevista ontem, Ferreira falou sobre a dificuldade em efetivar o projeto e apontou a TV como "o fato cultural mais importante do Brasil".
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
FOLHA - Qual será a marca de sua
gestão?
JUCA FERREIRA - O alargamento
do diálogo, a tentativa de pactuar com a área artística e cultural, em torno do projeto do
ministério. Assim que eu assumir definitivamente, vou abrir
o diálogo. E tratar com muito
carinho as artes nas quais a
gente menos avançou; fortalecer a Funarte, dar-lhe recursos
para que não precise ficar dependendo da sensibilidade das
empresas para financiarem as
ações. Política pública tem que
ter orçamento.
FOLHA - A estratégia de "alargar o
diálogo" a que o sr. se refere não
traz ao MinC imobilismo, como no
caso da prometida e irrealizada mudança na Lei Rouanet?
FERREIRA - Não é verdade. Você
não muda uma lei apenas baseado na vontade. Defendemos
que imposto devido é dinheiro
público. É da norma, da doutrina da nossa Constituição que
dinheiro público tem que ter
justificativa para ser usado. O
que nos dificultou é que não havia uma unidade a respeito das
mudanças. Então, se fizéssemos uma mudança de maneira
unilateral, não seríamos bem-sucedidos.
Se estamos dizendo o tempo
inteiro que política pública precisa de orçamento para se realizar, precisamos do compromisso da área econômica do governo para nos dar orçamento capaz de dar atendimento à gama
do universo da cultura. Estamos fazendo essa construção
há cinco anos. Não é muito
tempo. Mas compartilho dessa
ansiedade. Gostaria de apressar os processos. Isso faz parte
da minha personalidade, mas
só podemos apressar até o ponto em que isso não gere mais
desconstrução do que resultado positivo.
FOLHA - O último prazo que o sr. divulgou para o envio do projeto ao
Congresso é a próxima segunda-feira. Ele será cumprido?
FERREIRA - Com esse tumulto
[da sucessão], prefiro começar
esse debate público um dia depois de eu assumir o ministério
na plenitude.
FOLHA - Quer dizer que o sr. envia o
projeto ao Congresso no dia seguinte à posse?
FERREIRA - Sim. Quem sabe se
não fará parte do meu discurso
de posse? Mas como o discurso
de posse não pode ser muito
prolongado, eu diria um dia depois.
FOLHA - O projeto prevê que o ministério tenha orçamento maior e
mais autonomia para aplicá-lo em
políticas públicas. Não é uma brecha
para novas acusações de "dirigismo
cultural", já enfrentadas pelo Ministério da Cultura no passado?
FERREIRA - Cada dia se fala menos nisso [dirigismo cultural].
Não seria falta de modéstia eu
dizer que fomos exemplares na
compreensão de que não cabe
ao Estado dirigir a criatividade
nem a produção cultural nem
fazer censura. Não há um deslize sequer do ministério, por
uma simples razão: porque não
somos estatistas, não somos dirigistas. O que estamos construindo é uma política de Estado, ou seja, disponibilizar
meios e condições para o desenvolvimento da atividade
criativa e da fruição cultural para todos os brasileiros.
FOLHA - O projeto da Ancinav
(Agência Nacional do Cinema e do
Audiovisual), acusado de tentar regular o conteúdo das TVs, não foi
um deslize?
FERREIRA - Não foi. A Ancinav é
um fantasma que ronda nosso
ministério. Em algum momento, vou ter que exorcizá-lo, nem
que seja chamando uma mãe-de-santo da Bahia. O que queríamos era regular a atividade
econômica. Tenho certeza de
que, hoje, muitos dos que foram contra [a Ancinav] concordam que, se nós não regularmos a atividade audiovisual no
Brasil, de forma que permita a
pluralidade, a concorrência, a
associação da cadeia criativa
com a cadeia produtiva, que garanta o direito autoral com o direito empresarial, a proteção
do mercado brasileiro diante
da ação predatória do capital
internacional que tenta o monopólio, o que vai acontecer é
que as empresas brasileiras vão
sucumbir diante da pressão,
porque o desenvolvimento tecnológico permite que uma pessoa numa saleta em Nova York
projete em todo o Brasil conteúdos audiovisuais.
FOLHA - O episódio da Ancinav demonstrou que é grande o poder de
mobilização do setor audiovisual.
De que interlocutor o sr. espera mais
resistência?
FERREIRA - Quero ouvir todos,
dialogar com todos. Sou dos
que acham que a TV é o fato
cultural mais importante no
Brasil e no mundo. É o que tem
mais acesso, o que forma mais
opinião, interfere mais na sensibilidade, na construção da
subjetividade. Agora, a TV está
deixando de ser TV. Dentro de
poucos anos, com a convergência tecnológica, TV, telefone e
computador vão ser a mesma
coisa. Vamos lidar com um fenômeno novo, que é a disponibilização de conteúdos, quando
quem faz a programação é o espectador em casa. A tendência
é a ampliação [da TV] ao nível
de onipresença, porque inclusive em deslocamento você terá acesso a esses conteúdos.
Então, acho que esse é o diálogo principal. Desde que cheguei aqui, tentei sensibilizar o
ministério para o fato de que o
cinema é estratégico, mas o cinema tem que se associar à televisão. Ela hoje é o suporte,
sob o ponto de vista cultural,
mais importante. Esse diálogo
TV-telefone-internet já está na
rua, independentemente da
vontade minha ou de quem
quer que seja. Acredito na força
dos fatos. Eles nos levarão a
buscar um projeto grandioso
para o audiovisual brasileiro,
inclusive para uma legislação
satisfatória, que possibilite ao
Brasil ser um grande produtor
[de audiovisual].
FOLHA - O sr. disse que era o executor e o ministro Gil, o líder do Ministério da Cultura. Agora terá de trocar
de papel?
FERREIRA - Claro. Eu já venho
fazendo os dois [papéis]. O que
facilita a minha vida é que a
transição foi muito suave. A insistência do presidente e dos
artistas para que Gil continuasse permitiu que esse processo,
que alguns viram como negativo, talvez tenha sido a transição
mais natural e orgânica que já
tivemos. Eu diria que foi uma
transição baiana, uma transição Dorival Caymmi. Eu já faço
isso [os dois papéis]. Faço a representação do ministério junto aos ministros do Mercosul e
da América Latina. Representando o Brasil, já estive na África, na China.
FOLHA - Qual é a sua proporção
nos méritos e nos erros das duas
gestões de Gil no Ministério da Cultura
FERREIRA - O ministro Gilberto
Gil teve grandeza enorme, primeiro em disponibilizar seu capital político para a construção
dessa dimensão para o Brasil
que é o desenvolvimento cultural. Ele foi de uma dedicação
monstruosa. Houve um fato
anedótico aqui, quando um dos
deputados que investigam o
Executivo mandou pedir a
agenda de Gil. Ele achou que
havia um erro, porque Gil estava freqüentemente em três Estados por dia. Ele se dedicou intensamente a fazer o que chamou de do-in antropológico, a
construir uma rede de interlocução, e assumiu todas as dificuldades nos debates que precisaram ser feitos para que
avançássemos. Internamente,
ele nos tratava como companheiro de trabalho. Dissolvemos o deslumbramento com a
presença de um artista da grandeza dele. A qualquer um que
você perguntar [isso, aqui], se
sentirá responsável pelos sucessos e pelos fracassos do
MinC. Não há setores feudalizados aqui dentro. Construímos uma nova filosofia administrativa e gerencial. Foi Gil
que liderou isso.
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