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LIVROS
Crítica/"Após o Anoitecer"
Autor supera colagem de referências
Romance retrata uma noite em Tóquio e é construído com cenas descritas de maneira fotográfica e diálogos naturalistas
SANTIAGO NAZARIAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Uma jovem japonesa
dorme um sono profundo. Em frente à sua
cama, uma televisão desligada
da tomada pisca e se acende,
apresentando um estranho ser
sem rosto, que observa a menina. Enquanto isso, numa lanchonete no centro da cidade,
sua irmã tenta ler um livro, mas
é interrompida por um fluxo de
personagens típicos da madrugada: um músico, uma prostituta, a gerente de um motel.
Sim, você já viu isso antes.
São todas cenas e elementos familiares para quem acompanha a atual cultura pop japonesa -remetendo desde a filmes
como "Ringu - O Chamado" (de
Hideo Nakata, 1998, baseado
no romance de Koji Suzuki), à
literatura de Ryu Murakami e o
filme "Encontros e Desencontros", de Sofia Copolla (2003).
À primeira vista, "Após o
Anoitecer", romance de Haruki
Murakami, é isso, uma colagem
de referências. Mas é nas entrelinhas que se vai muito mais
longe.
O romance conta a história
dessas duas irmãs, Eri e Mari.
Enquanto a primeira está num
sono perpétuo em casa, a outra
tenta passar a madrugada lendo numa lanchonete. Não sabemos sobre o que é seu livro, mas
é pela privação de sua leitura
que temos a nossa. Os personagens que impedem Mari de ler é
que trazem a nós a narrativa.
Lacunas
Há os mafiosos chineses que
protegem e exploram suas
prostitutas; o trombonista que
aproveita um de seus últimos
ensaios, planejando largar a
música pelo estudo de Direito;
o pai de família que vira as madrugadas trabalhando com
softwares -e dando escapadas
ocasionais. São quase sequências de contos com uma moldura comum. As histórias se cruzam, mas não se costuram totalmente, dando ao leitor a função de preencher as lacunas.
Cada capítulo é aberto com a
ilustração de um relógio mostrando o avanço da madrugada.
Intercalam-se as ações de Mari
pela cidade com a suspensão
onírica de Eri em sua cama.
As cenas são descritas de maneira fotográfica, quase cinematográfica. Os diálogos naturalistas -numa fluente tradução direto do japonês de Lica
Hashimoto- aproximam ainda
mais o livro do melhor que a literatura pop pode oferecer:
uma identificação moderna e
imediata.
Há também o tom doce das
comédias românticas, no flerte
comedido dos jovens orientais.
No final, temos um retrato parcial de uma noite em Tóquio,
como se tivéssemos de esperar
pela próxima para a história
continuar.
Haruki Murakami é hoje um
dos autores mais importantes
do Japão, autor de obras como
"Norwegian Wood", "Dance,
Dance, Dance" e "Kafka à Beira
Mar" e vencedor de prêmios
como o Franz Kafka Prize e o
Yomiuri (um dos mais importantes do Japão).
"Após o Anoitecer" é daqueles livros para ser lido atravessando a madrugada, aproveitando o conforto e a satisfação
de perceber que, com uma obra
dessas em mãos, não estamos
perdendo nada do que acontece
por aí afora.
SANTIAGO NAZARIAN é escritor, autor de
"Mastigando Humanos" (Nova Fronteira). Seu
mais recente romance, "O Prédio, o Tédio e o
Menino Cego", sai agora pela Record.
APÓS O ANOITECER
Autor: Haruki Murakami
Tradução: Lica Hashimoto
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 39,90 (208 págs.)
Avaliação: ótimo
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