São Paulo, terça-feira, 01 de setembro de 2009

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Números identificavam os vacinados

Nos anos 80, artista fez mais de mil imagens dos ianomâmis, que sofreram com chegada de doenças depois de 1974

Claudia Andujar identificou índios sem nome e que se deslocam constantemente; "As coisas estão piores", diz artista sobre situação atual


Claudia Andujar
Criança ianomâmi é fotografada com placa de
identificação em imagem da série ‘Marcados’


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1944, aos 13 anos, na Transilvânia, Hungria, a fotógrafa Claudia Andujar percebeu que uma marca iria determinar o desaparecimento de muitas pessoas ao seu redor -pai, avós e seu primeiro namorado, Gyuri, todos carregavam a estrela de Davi em amarelo costurada na roupa.
Num primeiro encontro numa praça pública, em junho daquele ano, os dois confessaram os sentimentos e se beijaram.
"Era o nascimento do amor", diz Andujar. Interrompido pela história que se conhece, o romance continuou visível apenas num retrato de Gyuri, que a artista carregou num medalhão que pendia em seu pescoço.
Quase 40 anos depois, Andujar viu-se novamente envolvida com marcas, só que dessa vez era ela quem criava os sinais.
Em 1981, junto de dois estudantes de medicina, ela deu início a um projeto de saúde entre os índios ianomâmi, na Região Norte do Brasil.
Durante três anos, em distintos momentos e em difíceis recantos da selva amazônica, a pequena expedição vacinava comunidades que estavam fadadas a morrer pela contaminação com doenças trazidas pela invasão branca.
Enquanto os estudantes vacinavam, Andujar fotografava os índios com números. "Como eles não usam o nosso sistema, não têm nome e são chamados pela relação de parentesco, nós passamos a numerá-los para criar uma forma de identificação", conta ela.
Foram mais de mil retratos, realizados em mais de cem aldeias. No próximo dia 8, cerca de cem dessas imagens serão lançadas no livro "Marcados", com texto de Stella Senra, pela editora Cosac Naify, e serão vistas numa exposição com as fotografias na galeria Vermelho.

Anos 70
"Eu não via essas imagens como um trabalho artístico, era um projeto de saúde a favor dos ianomâmis", conta Andujar. Ela conhecera esses índios em 1970, quando realizava uma reportagem para a revista "Realidade" sobre a Amazônia.
"A publicação foi questionada pelos militares. Muitos jornalistas pediram demissão e eu decidi não mais trabalhar com fotojornalismo", conta a artista hoje, em seu apartamento na avenida Paulista.
No ano seguinte, ela conseguiu uma bolsa da Fundação Guggenheim para voltar a encontrar os ianomâmis, até então isolados do contato.
"Eu queria entendê-los como povo e como cultura", diz ela, que registrou esse envolvimento em mais de 50 mil imagens, entre 1971 e 1977.
"Eu só voltava a São Paulo para revelar os negativos e ampliar as fotos", ri, como se relatasse um processo arcaico -o que de fato hoje é.
Nesse período, contudo, ela se tornou testemunha de um processo de dizimação dos índios, pois com a construção da Perimetral Norte, em 1974, os ianomâmi entraram em contato com doenças como o sarampo e começaram a morrer em decorrência delas.
Andujar tornou-se, então, militante da causa ianomâmi ao se identificar com sua história: da mesma maneira que ela se deslocou pelo mundo em busca de um território -nasceu na Suíça, viveu na Hungria e nos Estados Unidos até chegar ao Brasil, em 1955, eles também circulam por várias áreas, cada vez que a caça acaba ou o solo já não serve mais.
Expulsa da região pela Funai, em 1977 ("Como eu visitava as aldeias onde muitos índios morriam, achavam que eu queria denunciar o governo"), ela passou a defender a demarcação do parque ianomâmi, o que foi conseguido de fato apenas no ano de 1992.
E a saúde dos índios, melhorou? Andujar, que segue em contato com eles, mostra um documento do ano passado, enviado ao ministro da Saúde pela Associação Yanomami Hutukara. O registro aponta o recrudescimento da malária e mostra que o índice de crianças vacinadas de até 1 ano é de apenas 20%. "As coisas estão piores."


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