São Paulo, Quarta-feira, 01 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CULTURA POP
"Multiple Barbie", do videomaker Joe Gibbons, e o site do fotógrafo Dean Brown reconstróem o mito
Artistas lançam a "Barbie feminista"

FERNANDO OLIVA
da Redação

Um fetiche e um objeto de culto, escreveu a ensaísta Camille Paglia. O mais poderoso ícone da cultura popular americana no final do século 20, segundo a escritora M.G. Lord, colunista do diário nova-iorquino "Newsday". Uma jovem atraente de modo convencional, sem caráter e passiva, definiu em 1995 o dicionário britânico "Concise Oxford Dictionary".
Dentre as diversas leituras que tentam dar conta de um dos maiores mitos da cultura de massas dos EUA, a do artista americano Joe Gibbons, 46, é uma das mais originais e inusitadas.
Seu vídeo "Multiple Barbie", que estréia hoje no Itaú Cultural, faz uma abordagem feminista e libertária da bonequinha de plástico e poliéster que completou 40 anos de existência em março último. "Barbie é uma espécie de escrava branca, uma personagem inocente e figura de mulher oprimida por um mundo masculino", disse Gibbons em entrevista à Folha, por telefone, de Nova York.
Na Internet, outro americano, o fotógrafo Dean Brown, recriou célebres obras da história da arte usando bonecas Barbie (veja o site http://users.erols.com/browndk).
O culto em torno de Barbie também se faz presente na última produção do cineasta Stanley Kubrick, "Eyes Wide Shut" ("De Olhos Bem Fechados"), quando a filhinha do casal Tom Cruise-Nicole Kidman aponta para a boneca num shopping de brinquedos, quase no fim do filme.

Terapia
O vídeo de Gibbons coloca Barbie no divã de um psiquiatra que tenta livrá-la de uma síndrome de múltipla personalidade (daí o título do filme) e usa seu discurso para tentar reintegrar suas diversas personas -lembre-se de que Barbie já apareceu com mais de 45 nacionalidades e interpretou quase 80 personagens diferentes, desde executiva, dentista, aeromoça, bombeira, noiva, princesa, astronauta, modelo e militar até candidata à Presidência.
Naquela imagem preto-e-branco e esmaecida (que parece efeito, mas na verdade é própria de uma extinta câmera de brinquedo chamada PixelVision), lá está Barbie, deitada, com os seios enormes (seu apelo mais evidente) apontando para cima, ouvindo calada o monólogo do psiquiatra.
"Multiple Barbie" também pode ser visto como a discussão das relações entre homem e mulher neste século -e, neste caso, Barbie foi então um veículo perfeito para Gibbons. "O terapeuta quer controlar a raiva de Barbie e seus impulsos agressivos, mas ela se rebela contra o tratamento e o aniquila. Em todos os meus vídeos que usam bonecas Barbie, elas terminam se vingando de um agressor masculino", explica o artista.
O vídeo já foi apresentado no Festival de Vídeo de Nova York, no Pandemonium (de Londres), no Festival de Roterdã (Holanda) e acaba de ser selecionado para a Bienal do Whitney Museum.

Army Barbie
Assim como a escritora M.G. Lord, autora do brilhante ensaio "Forever Barbie - The Unathorized Biography of a Real Doll" (Para Sempre Barbie - A Biografia Não-Autorizada de uma Boneca de Verdade, Avon Books, 1995), Gibbons também vê as mudanças na boneca ao longo dos anos como uma metáfora da sociedade americana.
Faz sentido. Principalmente quando lembramos, por exemplo, que em 1989 a fabricante Mattel lançou o modelo Summit Barbie para comemorar o fim da Guerra Fria entre os EUA e União Soviética, no mesmo ano em que a Barbie Friendship celebrava a queda do Muro de Berlim. Em 92, veio a Army Barbie, uma médica-sargento alistada na operação "Tempestade no Deserto" (a guerra entre EUA e Iraque).
A boneca acompanha há 40 anos as mudanças de comportamento e estilo dos EUA desde os anos 60, década em que a maquiagem é suavizada, aproximando-a de uma menina comum. Desde o ano passado, o corpo de Barbie começou a caminhar em direção a uma imagem quase natural.
Quem duvidava de que os americanos levam o mito muito a sério ficou chocado com a abrangência da exposição "Arte, Design e Barbie - A Evolução de um Ícone Cultural", que tomou o World Trade Center em janeiro de 96.
A mostra começava no século 19 (as "fashion dolls") e sintomaticamente incluía um painel que comparava a evolução da cultura norte-americana ao fenômeno Barbie -exibiu preciosidades como as primeiras Barbies étnicas (negra, mexicana, índia e japonesa) e as Barbies com roupa de trabalho (feitas para atender às reivindicações das feministas).
Surpresa igual à que terão no dia 17 deste mês, quando o Serviço Postal dos EUA coloca em circulação um selo comemorativo com a Barbie Silken Flame, modelo da boneca que foi escolhido pelos americanos como um dos ícones dos anos 60.
A peça faz parte do projeto "Celebrate the Century", programa educacional dos Correios que imprime séries de selos comemorativos para cada década do século 20. No mesmo dia, a Mattel vai colocar à venda pela Internet o modelo da boneca, por US$ 34,99, com um exemplar do tal selo.
Talvez Barbie não represente muito mais que um brinquedo superpopular entre crianças de todo o mundo. Entretanto, se for essa a verdade, esqueceram de dizê-la aos americanos.


Texto Anterior: Da Rua - Fernando Banssi: Ciúme & Inveja
Próximo Texto: Artista se diz "subversivo"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.