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CULTURA POP
"Multiple Barbie", do videomaker Joe Gibbons, e o site do fotógrafo Dean Brown reconstróem o mito
Artistas lançam a "Barbie feminista"
FERNANDO OLIVA
da Redação
Um fetiche e um objeto de culto,
escreveu a ensaísta Camille Paglia.
O mais poderoso ícone da cultura
popular americana no final do século 20, segundo a escritora M.G.
Lord, colunista do diário nova-iorquino "Newsday". Uma jovem
atraente de modo convencional,
sem caráter e passiva, definiu em
1995 o dicionário britânico "Concise Oxford Dictionary".
Dentre as diversas leituras que
tentam dar conta de um dos
maiores mitos da cultura de massas dos EUA, a do artista americano Joe Gibbons, 46, é uma das
mais originais e inusitadas.
Seu vídeo "Multiple Barbie",
que estréia hoje no Itaú Cultural,
faz uma abordagem feminista e libertária da bonequinha de plástico e poliéster que completou 40
anos de existência em março último. "Barbie é uma espécie de escrava branca, uma personagem
inocente e figura de mulher oprimida por um mundo masculino",
disse Gibbons em entrevista à Folha, por telefone, de Nova York.
Na Internet, outro americano, o
fotógrafo Dean Brown, recriou
célebres obras da história da arte
usando bonecas Barbie (veja o site http://users.erols.com/browndk).
O culto em torno de Barbie também se faz presente na última
produção do cineasta Stanley Kubrick, "Eyes Wide Shut" ("De
Olhos Bem Fechados"), quando a
filhinha do casal Tom Cruise-Nicole Kidman aponta para a boneca num shopping de brinquedos,
quase no fim do filme.
Terapia
O vídeo de Gibbons coloca Barbie no divã de um psiquiatra que
tenta livrá-la de uma síndrome de
múltipla personalidade (daí o título do filme) e usa seu discurso
para tentar reintegrar suas diversas personas -lembre-se de que
Barbie já apareceu com mais de
45 nacionalidades e interpretou
quase 80 personagens diferentes,
desde executiva, dentista, aeromoça, bombeira, noiva, princesa,
astronauta, modelo e militar até
candidata à Presidência.
Naquela imagem preto-e-branco e esmaecida (que parece efeito,
mas na verdade é própria de uma
extinta câmera de brinquedo chamada PixelVision), lá está Barbie,
deitada, com os seios enormes
(seu apelo mais evidente) apontando para cima, ouvindo calada
o monólogo do psiquiatra.
"Multiple Barbie" também pode ser visto como a discussão das
relações entre homem e mulher
neste século -e, neste caso, Barbie foi então um veículo perfeito
para Gibbons. "O terapeuta quer
controlar a raiva de Barbie e seus
impulsos agressivos, mas ela se
rebela contra o tratamento e o
aniquila. Em todos os meus vídeos que usam bonecas Barbie,
elas terminam se vingando de um
agressor masculino", explica o artista.
O vídeo já foi apresentado no
Festival de Vídeo de Nova York,
no Pandemonium (de Londres),
no Festival de Roterdã (Holanda)
e acaba de ser selecionado para a
Bienal do Whitney Museum.
Army Barbie
Assim como a escritora M.G.
Lord, autora do brilhante ensaio
"Forever Barbie - The Unathorized Biography of a Real Doll" (Para Sempre Barbie - A Biografia
Não-Autorizada de uma Boneca
de Verdade, Avon Books, 1995),
Gibbons também vê as mudanças
na boneca ao longo dos anos como uma metáfora da sociedade
americana.
Faz sentido. Principalmente
quando lembramos, por exemplo, que em 1989 a fabricante Mattel lançou o modelo Summit Barbie para comemorar o fim da
Guerra Fria entre os EUA e União
Soviética, no mesmo ano em que
a Barbie Friendship celebrava a
queda do Muro de Berlim. Em 92,
veio a Army Barbie, uma médica-sargento alistada na operação
"Tempestade no Deserto" (a
guerra entre EUA e Iraque).
A boneca acompanha há 40
anos as mudanças de comportamento e estilo dos EUA desde os
anos 60, década em que a maquiagem é suavizada, aproximando-a
de uma menina comum. Desde o
ano passado, o corpo de Barbie
começou a caminhar em direção
a uma imagem quase natural.
Quem duvidava de que os americanos levam o mito muito a sério ficou chocado com a abrangência da exposição "Arte, Design
e Barbie - A Evolução de um Ícone
Cultural", que tomou o World
Trade Center em janeiro de 96.
A mostra começava no século 19
(as "fashion dolls") e sintomaticamente incluía um painel que
comparava a evolução da cultura
norte-americana ao fenômeno
Barbie -exibiu preciosidades como as primeiras Barbies étnicas
(negra, mexicana, índia e japonesa) e as Barbies com roupa de trabalho (feitas para atender às reivindicações das feministas).
Surpresa igual à que terão no
dia 17 deste mês, quando o Serviço Postal dos EUA coloca em circulação um selo comemorativo
com a Barbie Silken Flame, modelo da boneca que foi escolhido pelos americanos como um dos ícones dos anos 60.
A peça faz parte do projeto "Celebrate the Century", programa
educacional dos Correios que imprime séries de selos comemorativos para cada década do século
20. No mesmo dia, a Mattel vai colocar à venda pela Internet o modelo da boneca, por US$ 34,99,
com um exemplar do tal selo.
Talvez Barbie não represente
muito mais que um brinquedo
superpopular entre crianças de
todo o mundo. Entretanto, se for
essa a verdade, esqueceram de dizê-la aos americanos.
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