São Paulo, segunda-feira, 01 de outubro de 2001

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DISCO/CRÍTICA

Atordoada, artista opta pela variedade por indecisão

DA REPORTAGEM LOCAL

No xadrez das reviravoltas de mercado e do esgotamento da música baiana ultracomercial, a crise visitou Daniela Mercury. Isso fica evidente no deslocamento de registro que ela vive, da mulher que bradava "a cor dessa cidade sou eu/ o canto dessa cidade é meu" para a que proclama, na canção de Lenine e Dudu Falcão que dá título ao novo álbum: "Sou de qualquer lugar".
Se o Brasil vive momento ímpar de quebra de hegemonias musicais, é inevitável que artistas-símbolo de períodos de hegemonia (como foram os anos 90 de Daniela e seus pares) fiquem atordoados. "Sou de Qualquer Lugar" é um disco atordoado, e isso se traduz particularmente na profusão e variedade de produtores convocados para concretizá-lo.
É a aposta múltipla que explica, por exemplo, algum romantismo fora de foco, como na releitura indecisa de "Mutante". Ou a estranheza de uma adesão ligeira ao xote universitário em "Quem Puder Ser Bom que Seja", de Gil (em que ela parece mais Elba Ramalho do que Daniela Mercury). Ou até a suspensão, no final do processo, de uma faixa pop de Lulu Santos que ela cantaria em duo com Fernanda Abreu.
Mas é o que explica, também, a singeleza tocante (e algo árabe) de "Aeromoça", que Daniela compôs com seu filho de 16 anos, e de "Nina", também de sua autoria. Ou a regravação dissonante, porém sincera de "A Praieira", um dos hinos do mangue beat.
Entre prós e contras, Daniela se expõe como uma artista hoje indecisa, ainda que se esforce sempre por demonstrar rígida decisão. Indecisão não é problema, propriamente. É o que aparece de saudável e de humano em sua difícil tarefa de se recolocar no seio nem sempre nobre da MPB.
Mais fora de lugar nesse mesmo processo é a metralhadora giratória apontada para mil alvos musicais -a ansiedade em se provar a um tempo comercial e conceitual, um cálculo obsessivo.
Tente-se visualizar, nessa hora, a figura da cantora de barzinho, moça que se sujeitou aos humores dos outros para se impor e, talvez por isso mesmo, engrossou o vozeirão e saiu dali diretamente para o topo heróico do trio elétrico.
O que ela parece não ter testado, ainda, é produzir um disco, um show ou uma vida que atendesse só e exclusivamente a seus próprios desejos e gostos íntimos. Talvez não vendesse muito, mas nada mesmo se tem vendido facilmente no Brasil hoje...
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Sou de Qualquer Lugar   
Artista: Daniela Mercury
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 25, em média



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