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Crítica
A ficção de Nick Cave
Cantor e compositor australiano lança segundo romance, tendo como protagonista um pervertido sexual
BRUNO YUTAKA SAITO
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
Do roqueiro com cabelos espetados viciado
em heroína, no começo da década de 80, ao poeta
imerso em culpa cristã, roteirista e tranquilo pai de quatro
filhos dos anos seguintes, o
cantor e compositor Nick Cave
sempre deixou evidente que,
acima de tudo, é exímio criador
de personagens memoráveis.
A Henry Lee, sujeito que é jogado num poço pela mulher
traída, e Loverman, "diabo esperando do lado de fora da porta", entre outros tipos atormentados que frequentam suas
canções, agora junta-se o pervertido sexual Bunny Munro.
Ele é o personagem central
de "The Death of Bunny Munro" (a morte de Bunny Munro), segundo romance de Cave, lançado em setembro no exterior e que deve ganhar edição
brasileira no começo do ano
que vem pela editora Record.
Bunny é um crápula. Caixeiro-viajante que percorre a costa sul da Inglaterra, ele vai de
porta em porta vender produtos de beleza para mulheres.
Sua profissão, na verdade,
serve mais como pretexto para
ele exercer seu "talento" de Casanova. Verdadeiro homem-coelho, Bunny não tem freios
morais e segue apenas os impulsos sexuais. Chega ao cúmulo de estuprar uma garota viciada em heroína "overdosada".
Logo no começo, vemos que
ele é o principal culpado pela
depressão e pelo suicídio de sua
mulher, Libby.
A partir de então, terá de cuidar do filho de nove anos de
idade, Bunny Junior. É principalmente a partir da relação
entre filho e pai que Cave consegue fazer de Bunny um personagem suportável. Junior é
sensível, frágil e "gênio" -decora tudo que lê na enciclopédia que carrega a tiracolo. E,
acima de tudo, ama incondicionalmente o pai.
Em entrevistas, Nick Cave
declarou que o livro é daqueles
para serem lidos no aeroporto,
em uma sentada só.
Comparado a "And the Ass
Saw the Angel" (e o asno viu o
anjo, 1989), seu primeiro romance, Bunny é um refresco. A
prosa de Cave vai direto ao ponto, sem malabarismos de linguagem. Consegue levar poesia
ao grotesco.
Aqui e ali pipocam referências pop, mais especificamente
às partes íntimas das cantoras
Avril Lavigne e Kylie Minogue.
Desta vez, Cave parece não
querer provar que é bom escritor. Ainda que patine um pouco
na parte final, ao exacerbar o
tom surrealista, ele retoma a
temática da redenção, tão presente em suas músicas, num
contexto mais equilibrado e
com significados nem tão rígidos ou fechados. Se há lição de
moral, ela está evidente apenas
aos leitores que a procurarem.
THE DEATH OF BUNNY MUNRO
Autor: Nick Cave
Editora: Canongate (importado; 304
págs.)
Quanto: 8,49 libras, em amazon.co.uk
(cerca de R$ 24 mais taxas)
Avaliação: bom
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