São Paulo, quinta-feira, 01 de outubro de 2009

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Crítica

A ficção de Nick Cave

Cantor e compositor australiano lança segundo romance, tendo como protagonista um pervertido sexual

BRUNO YUTAKA SAITO
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Do roqueiro com cabelos espetados viciado em heroína, no começo da década de 80, ao poeta imerso em culpa cristã, roteirista e tranquilo pai de quatro filhos dos anos seguintes, o cantor e compositor Nick Cave sempre deixou evidente que, acima de tudo, é exímio criador de personagens memoráveis. A Henry Lee, sujeito que é jogado num poço pela mulher traída, e Loverman, "diabo esperando do lado de fora da porta", entre outros tipos atormentados que frequentam suas canções, agora junta-se o pervertido sexual Bunny Munro.
Ele é o personagem central de "The Death of Bunny Munro" (a morte de Bunny Munro), segundo romance de Cave, lançado em setembro no exterior e que deve ganhar edição brasileira no começo do ano que vem pela editora Record.
Bunny é um crápula. Caixeiro-viajante que percorre a costa sul da Inglaterra, ele vai de porta em porta vender produtos de beleza para mulheres.
Sua profissão, na verdade, serve mais como pretexto para ele exercer seu "talento" de Casanova. Verdadeiro homem-coelho, Bunny não tem freios morais e segue apenas os impulsos sexuais. Chega ao cúmulo de estuprar uma garota viciada em heroína "overdosada".
Logo no começo, vemos que ele é o principal culpado pela depressão e pelo suicídio de sua mulher, Libby.
A partir de então, terá de cuidar do filho de nove anos de idade, Bunny Junior. É principalmente a partir da relação entre filho e pai que Cave consegue fazer de Bunny um personagem suportável. Junior é sensível, frágil e "gênio" -decora tudo que lê na enciclopédia que carrega a tiracolo. E, acima de tudo, ama incondicionalmente o pai.
Em entrevistas, Nick Cave declarou que o livro é daqueles para serem lidos no aeroporto, em uma sentada só.
Comparado a "And the Ass Saw the Angel" (e o asno viu o anjo, 1989), seu primeiro romance, Bunny é um refresco. A prosa de Cave vai direto ao ponto, sem malabarismos de linguagem. Consegue levar poesia ao grotesco.
Aqui e ali pipocam referências pop, mais especificamente às partes íntimas das cantoras Avril Lavigne e Kylie Minogue.
Desta vez, Cave parece não querer provar que é bom escritor. Ainda que patine um pouco na parte final, ao exacerbar o tom surrealista, ele retoma a temática da redenção, tão presente em suas músicas, num contexto mais equilibrado e com significados nem tão rígidos ou fechados. Se há lição de moral, ela está evidente apenas aos leitores que a procurarem.


THE DEATH OF BUNNY MUNRO

Autor: Nick Cave
Editora: Canongate (importado; 304 págs.)
Quanto: 8,49 libras, em amazon.co.uk (cerca de R$ 24 mais taxas)
Avaliação: bom




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