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Com "The Golden Age", Gore Vidal encerra série de sete romances históricos sobre os Estados Unidos
Autor prevê que império americano será "menor e menos agressivo" no próximo século
A história americana
(que não ensinam na escola)
Associated Press
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Gore Vidal, em 1960, na sua casa em Tarrytown (NY) |
JOSÉLIA AGUIAR
DE LONDRES
A senhora inglesa de meia-idade, há mais de meia hora na fila,
pede para fotografar Gore Vidal,
que sorri apenas, sem dizer exatamente que concorda. Minutos depois, o leitor assíduo traz uma rosa amarela e cinco livros de uma
só vez para o autor autografar. A
mulher com lápis e bloco de desenho está silenciosa no canto da livraria, à espera para fazer seu retrato. De novo, o autor responde
aos pedidos com meio sorriso.
Nunca se pode dizer ao certo
quando o autor norte-americano
de 75 anos, conhecido pela acidez
de sua escrita, abandona a ironia.
Foi com sua incansável visão
mordaz que, desde os anos 60,
Gore Vidal se tornou um dos
maiores escritores do seu país, ao
iniciar uma série de romances
históricos sobre a criação do que
chama de império americano.
Costuma dizer que seus livros revelam o que as patrióticas aulas de
história não contam sobre os Estados Unidos: a verdade.
Gore Vidal cresceu em Washington e conviveu com representantes legítimos desse império
-de alguns, estava ou ainda está
próximo por certo grau de parentesco. Al Gore, vice-presidente
dos EUA e candidato democrata
nas eleições do próximo dia 4 de
novembro, é seu primo distante.
Na última quarta, Gore Vidal
autografou seu novo livro, "The
Golden Age" (A Era Dourada),
em uma das mais tradicionais livrarias de Londres, a Hatchards,
em Piccadilly. O livro acaba de ser
comprado pela Rocco e deve ser
lançado no ano que vem no Brasil. Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - Com "The Golden Age", o
senhor de fato encerra a sua série
de livros sobre a construção do império americano?
Gore Vidal - Nesse livro, o sétimo, falo dos anos 40 e dos anos
50. É o período em que Franklin
Roosevelt adquire a maior parte
do mundo para os EUA.
Depois vem Harry Truman, que
joga a bomba no Japão e cria a
corporação global. Eu levo a história até o começo do ano 2000.
Acho que contei tudo. O que importa é dizer como o império se
criou, definir como fomos e quem
fomos. Parte da história todos conhecem. Outra parte ninguém
contou até então.
Folha - A América continua tão
poderosa hoje quanto no passado?
Vidal - Sim. A União Soviética
desapareceu. Não há mais alternativa ao império americano. Não
há sinal de outro poder que rivalize com o norte-americano. Os
EUA são o único poder global.
Gostaria de substituir esse império atual pela república antiga,
mas ela se perdeu nos anos 50.
Folha - Pode-se aprender com a
história?
Vidal - A América tem razões para não cultivar o passado. Somos
culpados e, ao contrário do que
diz nossa própria propaganda,
detestados.
Os EUA sempre agem de má-fé
com outros países. Sejam sempre
cautelosos ao lidar conosco. Interferir nos outros países é um hábito que não devemos perder.
Folha - Como será o império americano no próximo século?
Vidal - Aos poucos, nós nos tornaremos menores e menos agressivos. Provavelmente vamos nos
tornar alguma coisa entre o Brasil
e a Argentina, quem sabe um poder médio.
Folha - A cultura americana também domina o mundo como extensão desse império?
Vidal - Não estou tão certo de
que a cultura americana seja tão
dominante. Entretenimento é um
grande produto que exportamos,
depois de armas. Temos obtido
sucesso com isso. Mas o mundo é
um lugar muito grande. Um bilhão de chineses têm sua própria
cultura. A Índia também tem seu
1 bilhão de habitantes.
Folha - Certa vez o senhor afirmou que a audiência dos livros diminuiu. E ironizou dizendo que havia praticamente mais escritores
do que leitores. O senhor realmente pensa assim?
Vidal - Os diretores de cinema
assumiram o lugar dos romancistas. O cinema se tornou a forma
de arte preferida. A ficção se aproximou da poesia nisso. Não há
mais um grande público, e sim
uma minoria que a aprecia. A ficção não é mais essencial.
Folha - Por que isso aconteceu?
Vidal - As gerações crescem vendo TV e não aprendem a ler muito
bem. Uma cabeça talhada pelas
imagens trabalha diferente de
uma cabeça moldada pela datilografia linear. Não saberia dizer a
diferença.
Folha - O que o senhor escreve
atualmente?
Vidal - Eu acabo de lançar uma
nova peça na Broadway, há dois
meses. Agora uma nova peça deve
entrar em cartaz. Tenho de escrever vários ensaios. Nenhum romance agora.
Folha - Às vésperas das eleições
nos EUA, como o senhor imagina o
governo de seu primo Al Gore?
Vidal - Bem, ele pode perder,
não é? Infelizmente meu primo Al
é o Gore errado. Eu sou o Gore
certo. Mas o país não é governando por presidentes, e sim pelas
grandes corporações. Quem for
presidente será pago por elas, e os
presidentes vão fazer o que elas
querem.
Livro: The Golden Age
Autor: Gore Vidal
Editora: Doubleday
Quanto: R$ 55 (448 págs.)
Onde encontrar: www.livcultura.com.br, www.amazon.com, www.bn.com (US$ 22 nos sites norte-americanos)
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