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MÚSICA
Cantador baiano faz show único hoje em São Paulo, o "purgatório"
Elomar se aproxima do erudito e do desencanto
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O cantador baiano (de Vitória
da Conquista) Elomar, 62, manifesta-se como um homem do sertão. Visitando São Paulo após
dois anos de ausência -para um
show único que acontece hoje, no
Sesc Ipiranga-, chegou à cidade
portando o que chama de "aflição
subconsciente".
Apareceu para a entrevista,
num hotel paulistano, vindo diretamente do hospital. "Cheguei
com o coração estuporado, tive de
ir ver o que era. Fiz eletrocardiograma, e não era nada, só ansiedade", afirma.
O nexo? "Moro na beira do rio
do Gavião, crio cabras, durmo
com as janelas abertas, tenho a
comida mais excelente do mundo, como carne de bode, tomo leite de cabra, um sossego daquele...
Dá para entender o porquê da
preocupação? Saí do paraíso para
passar alguns dias no purgatório."
Clássicos
Além do show, o também arquiteto, autor dos clássicos "Das Barrancas do Rio Gavião" (73), "Na
Quadrada das Águas Perdidas"
(79) e "Cantoria" (83, com Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai) e precursor da onda nordestina que grassou pelo Brasil no final
dos anos 70 tinha vários problemas a resolver em São Paulo:
"Tenho de tratar de problemas
de direitos autorais, autorizar reprensagem de discos meus, procurar estúdio para gravar um novo trabalho. O público está cobrador de disco. Assim fica parecendo que não estou produzindo. E
tenho partituras para oito, dez ou
12 CDs", diz.
Partituras? O "sertanejo" revela,
então, seu paradoxo -tem, cada
vez mais, se aproximado com
suas toadas do universo da música erudita. "Faço música mais
operística, que requer orquestra,
cantores líricos qualificados", diz,
conceituando as "óperas sertanejas" a que tem se dedicado.
"Minha música está pelo regional e pela música culta. O povo
não apreende minha música, ela é
só para iniciados, para gente que
nasce pronta", delimita.
Arrisca-se por caminhos isolacionistas: "Nunca tive intenção de
que minha música fosse profanada pelas massas. O povo é alimento para políticos demagogos, já
viu uma turba atrás do trio elétrico? Não é gente, é um rebanho,
uma manada de zebras".
Ainda driblando o povo, se
mantém em terreno pantanoso e
rejeita qualquer papel educador
ou político de que pudesse ser investido como artista: "Desprezo
qualquer poeta que trabalhe politicamente. Detesto Maiakóvski e
Brecht. A arte tem de ser estendida a seu criador, a Deus e a seu semelhante. O termo "político" foi
espichado demais, perdeu elasticidade e sentido".
Papel
Ora, qual seria, então, seu papel?
"Estou mais como um cronista de
uma época, de um povo, de uma
condição. Deus me deu esse talento. Canto as vicissitudes do homem, seja no meu sertão, no sertão de São Paulo ou no sertão da
Europa. Hoje, meu ponto de vista
é do cansaço, do desencanto, da
espera eterna."
Vai se definindo, além disso, como um observador dos confrontos entre sua vida, no campo, e a
das grandes cidades:
"Conheço o sertão palmo a palmo, nos mínimos segredos. A cidade, não, mas também não é esse alarme todo. São Paulo é uma
das cidades em que mais gosto de
cantar. Como cidade, é bonita, se
quiser miséria, miséria logo
-quer ver cidade, venha logo a
São Paulo. Do Rio não gosto, acho
mais ou menos uma roça".
Conta dos problemas com as
sociedades arrecadadoras de direitos autorais: "Essas sociedades
são o poder autoritário, despótico
e opressor dos direitos autorais.
Pedi desligamento de todas, e eles
não me desligam. Não recebo nada, quando vem dinheiro, de ano
em ano, chega um pinguinho,
uma insignificância. A Philips
(hoje Universal) relança sempre
meu disco e não me paga direitos
há 20 anos".
Vê uma solução para isso?
"Nem quero mais que me repassem o dinheiro. Quero que me
desliguem, que não me aporrinhem mais. Deixar de ser lesado
nos teatros já me basta. Ou então
vou me recluir em minha fazenda,
não saio mais para cantar, só
mando disco quando puder gravar, distribuo por meu sítio na Internet." Assim é Elomar.
Show: Elomar
Quando: hoje, às 21h
Onde: Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822, tel. 0/xx/11/3340-2000)
Quanto: R$ 12
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