São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA
Cantador baiano faz show único hoje em São Paulo, o "purgatório"
Elomar se aproxima do erudito e do desencanto

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O cantador baiano (de Vitória da Conquista) Elomar, 62, manifesta-se como um homem do sertão. Visitando São Paulo após dois anos de ausência -para um show único que acontece hoje, no Sesc Ipiranga-, chegou à cidade portando o que chama de "aflição subconsciente".
Apareceu para a entrevista, num hotel paulistano, vindo diretamente do hospital. "Cheguei com o coração estuporado, tive de ir ver o que era. Fiz eletrocardiograma, e não era nada, só ansiedade", afirma.
O nexo? "Moro na beira do rio do Gavião, crio cabras, durmo com as janelas abertas, tenho a comida mais excelente do mundo, como carne de bode, tomo leite de cabra, um sossego daquele... Dá para entender o porquê da preocupação? Saí do paraíso para passar alguns dias no purgatório."

Clássicos
Além do show, o também arquiteto, autor dos clássicos "Das Barrancas do Rio Gavião" (73), "Na Quadrada das Águas Perdidas" (79) e "Cantoria" (83, com Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai) e precursor da onda nordestina que grassou pelo Brasil no final dos anos 70 tinha vários problemas a resolver em São Paulo:
"Tenho de tratar de problemas de direitos autorais, autorizar reprensagem de discos meus, procurar estúdio para gravar um novo trabalho. O público está cobrador de disco. Assim fica parecendo que não estou produzindo. E tenho partituras para oito, dez ou 12 CDs", diz.
Partituras? O "sertanejo" revela, então, seu paradoxo -tem, cada vez mais, se aproximado com suas toadas do universo da música erudita. "Faço música mais operística, que requer orquestra, cantores líricos qualificados", diz, conceituando as "óperas sertanejas" a que tem se dedicado.
"Minha música está pelo regional e pela música culta. O povo não apreende minha música, ela é só para iniciados, para gente que nasce pronta", delimita.
Arrisca-se por caminhos isolacionistas: "Nunca tive intenção de que minha música fosse profanada pelas massas. O povo é alimento para políticos demagogos, já viu uma turba atrás do trio elétrico? Não é gente, é um rebanho, uma manada de zebras".
Ainda driblando o povo, se mantém em terreno pantanoso e rejeita qualquer papel educador ou político de que pudesse ser investido como artista: "Desprezo qualquer poeta que trabalhe politicamente. Detesto Maiakóvski e Brecht. A arte tem de ser estendida a seu criador, a Deus e a seu semelhante. O termo "político" foi espichado demais, perdeu elasticidade e sentido".

Papel
Ora, qual seria, então, seu papel? "Estou mais como um cronista de uma época, de um povo, de uma condição. Deus me deu esse talento. Canto as vicissitudes do homem, seja no meu sertão, no sertão de São Paulo ou no sertão da Europa. Hoje, meu ponto de vista é do cansaço, do desencanto, da espera eterna."
Vai se definindo, além disso, como um observador dos confrontos entre sua vida, no campo, e a das grandes cidades:
"Conheço o sertão palmo a palmo, nos mínimos segredos. A cidade, não, mas também não é esse alarme todo. São Paulo é uma das cidades em que mais gosto de cantar. Como cidade, é bonita, se quiser miséria, miséria logo -quer ver cidade, venha logo a São Paulo. Do Rio não gosto, acho mais ou menos uma roça".
Conta dos problemas com as sociedades arrecadadoras de direitos autorais: "Essas sociedades são o poder autoritário, despótico e opressor dos direitos autorais. Pedi desligamento de todas, e eles não me desligam. Não recebo nada, quando vem dinheiro, de ano em ano, chega um pinguinho, uma insignificância. A Philips (hoje Universal) relança sempre meu disco e não me paga direitos há 20 anos".
Vê uma solução para isso? "Nem quero mais que me repassem o dinheiro. Quero que me desliguem, que não me aporrinhem mais. Deixar de ser lesado nos teatros já me basta. Ou então vou me recluir em minha fazenda, não saio mais para cantar, só mando disco quando puder gravar, distribuo por meu sítio na Internet." Assim é Elomar.


Show: Elomar
Quando: hoje, às 21h
Onde: Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822, tel. 0/xx/11/3340-2000)
Quanto: R$ 12


Texto Anterior: Artes plásticas: Bratke anuncia colaboradores sem consulta
Próximo Texto: Discografia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.