São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

O lado escuro da luz


"Os Outros", terceiro longa-metragem do diretor espanhol Alejandro Amenábar, soma loura hitchcockiana e terror psicológico tecido à moda antiga


FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Que podem esconder portas e cortinas fechadas além da luz? Certamente mais do que pode supor Grace, personagem de Nicole Kidman em "Os Outros", do espanhol Alejandro Amenábar, 29, que estréia hoje no Brasil.
Em seu terceiro longa, Amenábar conta a história de uma mãe que protege desesperadamente o casal de filhos da luz -sofrendo de uma rara doença, podem até morrer se em contato com a claridade-, encerrando-os em uma casa cercada de névoa na ilha de Jersey (no Canal da Mancha).
Falando à Folha por telefone, o cineasta conta que a idéia nasceu da vontade de usar "uma só localização, em que as relações entre os personagens tivessem importância fundamental". A doença, afirma, pareceu-lhe a "desculpa perfeita" para trancafiar os personagens em uma casa.
Para completar, Grace (cujo marido, Charles, desapareceu na recém-terminada Segunda Guerra) é extremamente religiosa e passa o dia inculcando valores católicos nos frágeis Anne e Nicholas. Por isso, passa a viver um conflito com a filha quando a menina afirma ter visões do além.
Amenábar serviu-se de uma velha metáfora -a luz como temido saber- para embasar o roteiro. "A luz é um perigo para as crianças, poderia matá-las. Para mim, a escuridão são as crenças religiosas que impedem que cheguem à luz, uma forma de conhecimento sobre a qual repensar sua existência. A incerteza é representada pela névoa ao redor da casa."
O desequilíbrio se acentua de forma crescente com a chegada de um trio misterioso de criados.
"É uma proposta de cinema de terror que já não se faz, apoiado na psicologia dos personagens e no que se entrevê, e não nos efeitos especiais explícitos. Tento percorrer a tradição do relato clássico de fantasmas, com um câmbio de perspectiva, não só visual, mas sobretudo moral", resume.
O interesse pelo fantástico, conta, é uma reminiscência da infância. "Sempre me interessei pelas histórias de casas encantadas", diz o diretor. Na lista de suas influências, elenca o romance "A Volta do Parafuso", do americano Henry James (1843-1916). "Mas, mais concretamente, o filme "Os Inocentes" [1961", de Jack Clayton, baseado nele", completa.
A referência não passou despercebida para a crítica internacional, que a reconheceu claramente. Tampouco deixou-se de notar a admiração por Alfred Hitchcock (1899-1980), outra inspiração confessa do espanhol.
Além do suspense psicológico e claustrofóbico, em que Hitchcock era mestre, a Grace de Amenábar -vivida por uma Nicole Kidman aloirada- evoca uma das atrizes favoritas do inglês: Grace Kelly.
O desempenho da australiana em "Os Outros" chegou a ser mencionado como sua melhor atuação. O fato de ela ter quase emendado sua participação em "Os Outros" com dois trabalhos anteriores deu a Amenábar uma coisa boa e uma ruim.
Com a atriz tão ocupada, teve tempo para um casting cuidadoso das crianças. Ele estima ter testado "milhares" até chegar a Alakina Mann e James Bentley. "Tínhamos que nos assegurar de que eles entenderiam a complexidade do roteiro e de seus personagens."
Por outro lado, conta, pouco antes de acabarem as filmagens, a atriz teve uma recaída do joelho (machucado na produção precedente, "Moulin Rouge", de Baz Luhrmann) e precisou ir para os EUA. "Paramos por um mês. Isso estressa", conclui o diretor, relatando o momento de "Os Outros" que mais lhe causou terror.


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