São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2001

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CRÍTICA

Reconciliação com mercado conduz artista a um impasse

DA REPORTAGEM LOCAL

Da fama de maldito Luiz Melodia extraiu períodos de dificuldade comercial e ao menos dois LPs fenomenais, "Pérola Negra" (73) e "Maravilhas Contemporâneas" (76). Depois, tornou-se o único entre seus pares a conseguir sobrepujar o rótulo (de que qualidade, no Brasil, seria igual a maldição) e sedimentar uma história comercial de qualidade.
"Retrato do Artista Quando Coisa" é trabalho tardio dessa fase conciliadora, mas evidencia sinais de desgaste em tal relação.
O primeiro dado é a voz do sujeito. Outrora potente e marcante, ela reaparece rouca, de alcance encolhido. Em "Feeling da Música" (composta em parceria com o homem de soul Hyldon) e "Levanta a Cabeça" (do sambista maldito Osvaldo Nunes, mas convertida em reggae), utiliza-se de um coral, como a tentar despistar perdas e danos, sem muito efeito.
Apaziguados, os arranjos têm também pendido a certa padronização de jazz e soul leve (o exemplo, de novo, é a metalinguística "Feeling da Música"), ao menos desde o álbum "Relíquias" (95). Melodias sinuosas e letras de extração surrealista foram sendo substituídas, no processo de reconciliação, por um padrão romântico nem sempre efetivo.
Se há momentos de romantismo elegante (como em "Perdido", "Poderoso Gângster", mesmo na prosaica "Gotas de Saudade"), em outros ("Otimismo", "Brinde") a opção tende ao desânimo. A tática kitsch-chique é explicitada em "Sempre Comigo", do repertório do romântico antigo Anísio Silva -Melodia busca voluntariamente o dado kitsch, como já fez ao flertar com jovem guarda e samba de morro, e esse é um dos trunfos de sua fase de paz.
O que aparece mais preservado em sua obra é, ainda, o tino à composição. É mais fácil perceber isso na não inédita "Esse Filme Eu Já Vi" (cujos contornos haviam sido realçados em 99 pela fã Cássia Eller). A guitarra arde, música e letra são fogo cerrado.
O velho pique surrealista, no entanto, só vai aparecer de raspão, no poema de Manoel de Barros; de resto, Melodia se privou de radicalizar a idéia do "artista-coisa".
Fica a forte imagem da capa. Menos coisa que homem negro nu de cara pintada de branco, Melodia faz par estranho com o jovem Otto, que, branco, se pintou de piche na capa de seu novo CD. Confuso, este país ainda permite que opostos se pintem um do outro. É onde o Brasil é mais rico.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Retrato do Artista Quando Coisa   
Artista: Luiz Melodia
Lançamento: Indie/Universal
Quanto: R$ 25, em média




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