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CRÍTICA
Reconciliação com mercado conduz artista a um impasse
DA REPORTAGEM LOCAL
Da fama de maldito Luiz
Melodia extraiu períodos de
dificuldade comercial e ao menos
dois LPs fenomenais, "Pérola Negra" (73) e "Maravilhas Contemporâneas" (76). Depois, tornou-se
o único entre seus pares a conseguir sobrepujar o rótulo (de que
qualidade, no Brasil, seria igual a
maldição) e sedimentar uma história comercial de qualidade.
"Retrato do Artista Quando
Coisa" é trabalho tardio dessa fase
conciliadora, mas evidencia sinais
de desgaste em tal relação.
O primeiro dado é a voz do sujeito. Outrora potente e marcante,
ela reaparece rouca, de alcance
encolhido. Em "Feeling da Música" (composta em parceria com o
homem de soul Hyldon) e "Levanta a Cabeça" (do sambista
maldito Osvaldo Nunes, mas convertida em reggae), utiliza-se de
um coral, como a tentar despistar
perdas e danos, sem muito efeito.
Apaziguados, os arranjos têm
também pendido a certa padronização de jazz e soul leve (o exemplo, de novo, é a metalinguística
"Feeling da Música"), ao menos
desde o álbum "Relíquias" (95).
Melodias sinuosas e letras de extração surrealista foram sendo
substituídas, no processo de reconciliação, por um padrão romântico nem sempre efetivo.
Se há momentos de romantismo elegante (como em "Perdido", "Poderoso Gângster", mesmo na prosaica "Gotas de Saudade"), em outros ("Otimismo",
"Brinde") a opção tende ao desânimo. A tática kitsch-chique é explicitada em "Sempre Comigo",
do repertório do romântico antigo Anísio Silva -Melodia busca
voluntariamente o dado kitsch,
como já fez ao flertar com jovem
guarda e samba de morro, e esse é
um dos trunfos de sua fase de paz.
O que aparece mais preservado
em sua obra é, ainda, o tino à
composição. É mais fácil perceber
isso na não inédita "Esse Filme Eu
Já Vi" (cujos contornos haviam
sido realçados em 99 pela fã Cássia Eller). A guitarra arde, música
e letra são fogo cerrado.
O velho pique surrealista, no entanto, só vai aparecer de raspão,
no poema de Manoel de Barros;
de resto, Melodia se privou de radicalizar a idéia do "artista-coisa".
Fica a forte imagem da capa.
Menos coisa que homem negro
nu de cara pintada de branco, Melodia faz par estranho com o jovem Otto, que, branco, se pintou
de piche na capa de seu novo CD.
Confuso, este país ainda permite
que opostos se pintem um do outro. É onde o Brasil é mais rico.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Retrato do Artista Quando
Coisa
Artista: Luiz Melodia
Lançamento: Indie/Universal
Quanto: R$ 25, em média
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