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GASTRONOMIA
Livro que traz origens de pratos e ingredientes se une a chefs para desmistificar "certezas" da cozinha italiana
Uma velha conhecida?
DA REPORTAGEM LOCAL
Você acha que cozinhar uma
massinha é algo básico, basta usar
o truque de pôr um pouquinho de
óleo na água do cozimento -já
dizia sua avó. Avó, não: nonna.
Afinal, principalmente se você é
de São Paulo, tem um pé na Bota.
A sua nonna também ensinou a
servir a pasta com muito molho e,
para ajudar a enrolar os famigerados fios, usar uma colher.
Tratada por aqui como uma velha conhecida de todos nós, por
ser muito difundida, a culinária
italiana é prato cheio para mitos
como esses, que os chefs mais tradicionais, de trás de seus caldeirões, lutam para dissolver.
Lançado recentemente pela editora Nova Alexandria, o livro "Italianos à Mesa" pode servir de amparo à causa. Escrito por um literato -o tradutor e crítico Paulo
Vizioli, morto no ano passado-,
o livro conta a história dos principais ingredientes da gastronomia
italiana, além de trazer receitas,
sempre precedidas de uma historinha que conta sua origem.
Preocupado em atingir um público amplo, Vizioli explica até os
cuidados básicos para preparar o
carro-chefe, usando sempre linguagem acessível. Ao escolher as
receitas regionais, opta pelas que
não demandem ingredientes demasiadamente caros ou complicados de encontrar.
Por se preocupar em destrinchar os princípios básicos dessa
mesa, Vizioli acaba se alinhando
no front com os cozinheiros. Foi o
que a reportagem da Folha constatou, ao ouvir alguns chefs dos
mais respeitados de São Paulo sobre os mitos e pecados que rondam sua especialidade.
Voltando aos exemplos do início, para Vizioli pode-se até usar
óleo na água do macarrão para
que não grude. Mas o segredo é
mais simples: muita água.
"É recomendável usar cinco litros de água para cada quilo de
massa. Aqui as pessoas não têm
panelas enormes, mas têm muitos
amigos. Aí gruda mesmo", diz
Roberto Ravioli, 48, paulista de
origem toscana. "Acontece que,
quando você põe o óleo, deixa a
massa lisa e não pega o molho",
conta o dono do Empório Ravioli.
Já para Maria Montanarini, da
Casa Europa, "o pior equívoco é
pegar garfo e faca e cortar o macarrão; isso me dá arrepios".
Aliás, "o problema é a faca", diz
a italiana de 72 anos, 50 dos quais
no Brasil. Ela diz que o talher não
é o grande vilão só quando trata
de domar espaguetes.
"Aqui o arroz se come de bocadinhos, empurrando entre o garfo
e a faca. Não gosto nem de ver,
mas tenho de vender o meu arroz.
É para comer só com garfo."
Se Montanarini abomina a faca,
Sergio Arno, 40, lembra que ainda
se espanta com a idéia de enrolar
a massa na colher. Essa mania
ninguém sabe explicar direito de
onde vem, mas os chefs concordam: é plenamente dispensável.
As laterais do prato fundo cumprem a mesma função.
"Tem gente que acha que é chique", arrisca Arno, dono de três
casas (La Vecchia Cucina, Alimentari e La Pasta Gialla). "Mas
colher é para minestra [sopa"."
Para ele, o grande inimigo está
nos excessos, como servir a pasta
"nadando" em molho.
"É muito errada a quantidade
de molho que as pessoas põem
aqui. Chama-se "pasta asciutta",
massa seca. O certo é não ter excesso no fundo." Para isso, ensina
a misturar a massa ao sugo na panela, antes de servir na travessa.
Arno é um pioneiro da "nuova
cucina" em terras de cá -"inovadora, mas com procedimentos
bem italianos, que respeito muito". Nem por isso, porém, admite
"misturebas". "As pessoas adoram queijo ralado. Não importa
se a massa é com tomate ou peixe:
elas põem queijo."
Vito Simone, 50, o milanês dono do Fornaio d'Italia, concorda
com o brasileiro Arno. "Eu me recuso a levar o queijo ao prato se é
um espaguete com vôngole [espécie de marisco"", diz.
E explica -como, aliás, conta
Vizioli- que as massas com frutos do mar levam salsinha, e até
queijo pecorino (de leite de ovelha) ralado, mas nunca são servidas com parmesão.
"O passado recente das cantinas, que uniformizaram os molhos, faz as pessoas colocarem
queijo para sentirem gosto de alguma coisa", protesta Simone.
Em sua pequena casa, onde cozinha e serve, ele só usa ingredientes italianos e se orgulha: "Nunca
abrasileirei um prato". Tampouco serve bebida alcóolica que não
o vinho e não serve pão com manteiga na entrada: nada que engane
as papilas gustativas.
Se por essas e outras se diz "xiita", por outro lado surpreende, ao
derrubar com calma o que até
aqui parecia uma certeza inabalável. "Cortar o macarrão não é um
sacrilégio. Quando a gente é
criança e não sabe enrolar, a
"mamma" corta antes de cozinhar.
Pecado é não saber saborear."
(FRANCESCA ANGIOLILLO)
ITALIANOS À MESA - UMA VIAGEM
GASTRONÔMICA ATRAVÉS DA ITÁLIA.
De: Paulo Vizioli. Editora: Nova
Alexandria (tel. 0/xx/11/5571-5637). 272
págs. R$ 34.
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