São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2001

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GASTRONOMIA

Livro que traz origens de pratos e ingredientes se une a chefs para desmistificar "certezas" da cozinha italiana

Uma velha conhecida?

DA REPORTAGEM LOCAL

Você acha que cozinhar uma massinha é algo básico, basta usar o truque de pôr um pouquinho de óleo na água do cozimento -já dizia sua avó. Avó, não: nonna. Afinal, principalmente se você é de São Paulo, tem um pé na Bota.
A sua nonna também ensinou a servir a pasta com muito molho e, para ajudar a enrolar os famigerados fios, usar uma colher.
Tratada por aqui como uma velha conhecida de todos nós, por ser muito difundida, a culinária italiana é prato cheio para mitos como esses, que os chefs mais tradicionais, de trás de seus caldeirões, lutam para dissolver.
Lançado recentemente pela editora Nova Alexandria, o livro "Italianos à Mesa" pode servir de amparo à causa. Escrito por um literato -o tradutor e crítico Paulo Vizioli, morto no ano passado-, o livro conta a história dos principais ingredientes da gastronomia italiana, além de trazer receitas, sempre precedidas de uma historinha que conta sua origem.
Preocupado em atingir um público amplo, Vizioli explica até os cuidados básicos para preparar o carro-chefe, usando sempre linguagem acessível. Ao escolher as receitas regionais, opta pelas que não demandem ingredientes demasiadamente caros ou complicados de encontrar.
Por se preocupar em destrinchar os princípios básicos dessa mesa, Vizioli acaba se alinhando no front com os cozinheiros. Foi o que a reportagem da Folha constatou, ao ouvir alguns chefs dos mais respeitados de São Paulo sobre os mitos e pecados que rondam sua especialidade.
Voltando aos exemplos do início, para Vizioli pode-se até usar óleo na água do macarrão para que não grude. Mas o segredo é mais simples: muita água.
"É recomendável usar cinco litros de água para cada quilo de massa. Aqui as pessoas não têm panelas enormes, mas têm muitos amigos. Aí gruda mesmo", diz Roberto Ravioli, 48, paulista de origem toscana. "Acontece que, quando você põe o óleo, deixa a massa lisa e não pega o molho", conta o dono do Empório Ravioli.
Já para Maria Montanarini, da Casa Europa, "o pior equívoco é pegar garfo e faca e cortar o macarrão; isso me dá arrepios".
Aliás, "o problema é a faca", diz a italiana de 72 anos, 50 dos quais no Brasil. Ela diz que o talher não é o grande vilão só quando trata de domar espaguetes.
"Aqui o arroz se come de bocadinhos, empurrando entre o garfo e a faca. Não gosto nem de ver, mas tenho de vender o meu arroz. É para comer só com garfo."
Se Montanarini abomina a faca, Sergio Arno, 40, lembra que ainda se espanta com a idéia de enrolar a massa na colher. Essa mania ninguém sabe explicar direito de onde vem, mas os chefs concordam: é plenamente dispensável. As laterais do prato fundo cumprem a mesma função.
"Tem gente que acha que é chique", arrisca Arno, dono de três casas (La Vecchia Cucina, Alimentari e La Pasta Gialla). "Mas colher é para minestra [sopa"."
Para ele, o grande inimigo está nos excessos, como servir a pasta "nadando" em molho.
"É muito errada a quantidade de molho que as pessoas põem aqui. Chama-se "pasta asciutta", massa seca. O certo é não ter excesso no fundo." Para isso, ensina a misturar a massa ao sugo na panela, antes de servir na travessa.
Arno é um pioneiro da "nuova cucina" em terras de cá -"inovadora, mas com procedimentos bem italianos, que respeito muito". Nem por isso, porém, admite "misturebas". "As pessoas adoram queijo ralado. Não importa se a massa é com tomate ou peixe: elas põem queijo."
Vito Simone, 50, o milanês dono do Fornaio d'Italia, concorda com o brasileiro Arno. "Eu me recuso a levar o queijo ao prato se é um espaguete com vôngole [espécie de marisco"", diz.
E explica -como, aliás, conta Vizioli- que as massas com frutos do mar levam salsinha, e até queijo pecorino (de leite de ovelha) ralado, mas nunca são servidas com parmesão.
"O passado recente das cantinas, que uniformizaram os molhos, faz as pessoas colocarem queijo para sentirem gosto de alguma coisa", protesta Simone.
Em sua pequena casa, onde cozinha e serve, ele só usa ingredientes italianos e se orgulha: "Nunca abrasileirei um prato". Tampouco serve bebida alcóolica que não o vinho e não serve pão com manteiga na entrada: nada que engane as papilas gustativas.
Se por essas e outras se diz "xiita", por outro lado surpreende, ao derrubar com calma o que até aqui parecia uma certeza inabalável. "Cortar o macarrão não é um sacrilégio. Quando a gente é criança e não sabe enrolar, a "mamma" corta antes de cozinhar. Pecado é não saber saborear."
(FRANCESCA ANGIOLILLO)


ITALIANOS À MESA - UMA VIAGEM GASTRONÔMICA ATRAVÉS DA ITÁLIA. De: Paulo Vizioli. Editora: Nova Alexandria (tel. 0/xx/11/5571-5637). 272 págs. R$ 34.



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