São Paulo, sexta-feira, 01 de novembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"DRAGÃO VERMELHO"

Passatempo aceitável, filme traz novamente Hannibal

Longa é apenas uma sombra de "O Silêncio dos Inocentes"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Quem é Hannibal Lecter? Um personagem, uma grife, um detetive? Em todo caso, ei-lo chegando a seu terceiro filme, que pretende narrar uma aventura acontecida antes de seu encontro com a jovem Clarice Starling (Jodie Foster) em "O Silêncio dos Inocentes".
Em linhas gerais, Hannibal não dedica ao policial que o prendeu, Graham (Edward Norton), o mesmo calor que dedicará no futuro a Clarice. Ainda assim, vai ajudá-lo a capturar um outro "serial killer", Francis Dolarhyde (Ralph Fiennes), o tal Red Dragon do título.
Dito assim, estamos no domínio da repetição, o que não implica necessariamente desprazer. Hannibal (Anthony Hopkins) é um detetive da estirpe do Father Brown criado por Chesterton, cujo poder de dedução é tão intenso que o dispensa de acompanhar as investigações "in loco".
Se existe um problema com essa nova aventura intelectual de Hannibal é, certamente, a sombra de "O Silêncio dos Inocentes". Hannibal é antes de mais nada um ser anti-social. Seu canibalismo é proporcional ao seu desespero diante de um mundo tão pouco apto a absorver intelectos como o seu. Nessa medida, também, é um ser monstruoso.
O encanto do "Silêncio" passava pela ambiguidade de suas relações com Clarice, em quem via um ser superior (como ele) e a quem amava (a seu tortuoso modo). Hannibal se afirmou ali como um Dr. Mabuse sem causa, que em vez de tentar conquistar o mundo se contenta com desprezá-lo ativamente.
Dado tudo isso, boa parte do esforço de "Dragão Vermelho" consiste em contornar os problemas colocados pela premissa do filme original. Como podemos acreditar que Hannibal tenha se ligado, anteriormente, a outra pessoa (sobretudo Norton, o insosso?).
O problema é, a rigor, incontornável, restando ao espectador acreditar no que vê simplesmente para não sentir, previamente, que está jogando seu tempo fora.
Aceita então a convenção, "Dragão Vermelho" se mostra aceitável também num aspecto capital, isto é, na proposição de um bom enigma.
No entanto, a trama proposta mostrará sua limitação quando, prematuramente, coloca o espectador em contato com o vilão. E, pior, quando desenvolve o personagem a partir de uma psicologia bem barata (os maus tratos recebidos na infância determinam seu caráter) e o associa extemporaneamente a William Blake, o místico, poeta e desenhista do século 18 inglês.
Pior ainda, quando recorre a um clichê surrado e atribui ao policial Graham uma família sob medida para os padrões predatórios do Dragão Vermelho.
Mesmo uma solução em princípio interessante (o vilão se apaixona por uma garota cega) favorece um desenvolvimento em que os aspectos afetivos ganham corpo, suplantam claramente as questões lógicas (isto é, as que justificam a presença de Hannibal na parada) e determinam um desenlace em que as coisas parecem ocorrer muito mais em função de descontroles emocionais do que do desenvolvimento de um determinado raciocínio.
Ou seja, "Dragão Vermelho" é um passatempo aceitável, tipo para ver e esquecer, e apenas uma sombra da obra-prima que é "O Silêncio dos Inocentes".

Dragão Vermelho
Red Dragon


  
Direção: Brett Ratner
Produção: EUA/Alemanha, 2002
Com: Anthony Hopkins, Edward Norton, Ralph Fiennes
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Butantã, Eldorado, Gemini, Pátio Higienópolis e circuito



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