São Paulo, terça-feira, 01 de novembro de 2005

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HISTÓRIA

Editora FTD lança autobiografia póstuma do sertanista que ajudou a criar o Parque do Xingu

Villas Bôas conta como o oeste foi conquistado

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

As reações automáticas à notícia de que há uma autobiografia de Orlando Villas Bôas nas livrarias são duas: "De novo?" e "Quem se importa?". Afinal, tudo o que havia para ser dito sobre os feitos do sertanista paulista (1914-2002) e seus irmãos Cláudio e Leonardo já foi publicado. E esses próprios feitos, na cabeça do público, assumem uma dimensão restrita, de nota de rodapé histórica -um conhecimento tão útil quanto a lista dos afluentes da margem direita do Amazonas, cuja reiteração é de resto incompatível com a cultura de um país "moderno".
Mas é exatamente por causa dessas reações automáticas que "Orlando Villas Bôas: História e Causos", obra póstuma do indigenista, merece um olhar cuidadoso do leitor. Na pior das hipóteses, ele será presenteado com um livro graficamente bonito. E com a prosa incrivelmente direta de Orlando, cuja voz rouca quase pode ser ouvida em suas páginas.
Na melhor das hipóteses, quem aceita esse convite de Villas Bôas para se embrenhar nas matas do Brasil Central estará munido de um documento precioso sobre a maior aventura brasileira do século 20: a expedição Roncador-Xingu, cuja linha de frente foi liderada por Orlando.
Quem hoje atravessa o rio das Mortes sobre uma ponte subindo a BR-158 a partir de Barra do Garças, leste de Mato Grosso, dificilmente imagina que não muito tempo atrás, em 1945, o Brasil acabava ali. O que havia na outra margem era um território imenso, dividido entre mais de uma dezena de nações de línguas e costumes distintos. A missão dos Villas Bôas era se embrenhar 500 quilômetros a pé na mata e integrar essas nações ao Brasil, convencendo seus habitantes a capitular de forma pacífica. No caminho, cobras, onças e doenças tropicais (Orlando teve mais de 200 acessos de malária; Leonardo, o mais novo, acabaria morrendo mais cedo, de males do sertão).
Isso sem falar nos índios, nem sempre convencidos de que os caraíbas barbudos que invadiam seus territórios queriam na verdade salvá-los. A expedição encarou a morte nas flechas dos xavantes ou nas bordunas dos txucarramães. Estes quase massacraram o grupo, sob gritos de "Bakubin, bakubin, kubencrid atxueri!" (mata, mata, branco não presta!).
Muitos dos "causos" narrados por Villas Bôas aparecem em escritos anteriores. Na autobiografia, no entanto, ele tira vantagem do fato de ser o último sobrevivente daquele período para contar detalhes, digamos, prosaicos.
Um dos mais saborosos é sua especulação de que o motivo da Marcha para o Oeste não foi o desejo de Getúlio Vargas de integrar o Brasil Central, mas sua vontade de livrar o Catete de um servidor incômodo, o coronel Flaviano Vanique, designado para chefiar a expedição Roncador-Xingu, em 1943. A decisão se mostraria fatal para Vargas, já que Vanique foi substituído por ninguém menos que Gregório Fortunato.


Orlando Villas Bôas: Histórias e Causos Autor: Orlando Villas Bôas
Editora: FTD
Quanto: R$ 59 (216 págs.)


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