|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
HISTÓRIA
Editora FTD lança autobiografia póstuma do sertanista que ajudou a criar o Parque do Xingu
Villas Bôas conta como o oeste foi conquistado
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
As reações automáticas à notícia
de que há uma autobiografia de
Orlando Villas Bôas nas livrarias
são duas: "De novo?" e "Quem se
importa?". Afinal, tudo o que havia para ser dito sobre os feitos do
sertanista paulista (1914-2002) e
seus irmãos Cláudio e Leonardo
já foi publicado. E esses próprios
feitos, na cabeça do público, assumem uma dimensão restrita, de
nota de rodapé histórica -um
conhecimento tão útil quanto a
lista dos afluentes da margem direita do Amazonas, cuja reiteração é de resto incompatível com a
cultura de um país "moderno".
Mas é exatamente por causa
dessas reações automáticas que
"Orlando Villas Bôas: História e
Causos", obra póstuma do indigenista, merece um olhar cuidadoso do leitor. Na pior das hipóteses, ele será presenteado com um
livro graficamente bonito. E com
a prosa incrivelmente direta de
Orlando, cuja voz rouca quase pode ser ouvida em suas páginas.
Na melhor das hipóteses, quem
aceita esse convite de Villas Bôas
para se embrenhar nas matas do
Brasil Central estará munido de
um documento precioso sobre a
maior aventura brasileira do século 20: a expedição Roncador-Xingu, cuja linha de frente foi liderada por Orlando.
Quem hoje atravessa o rio das
Mortes sobre uma ponte subindo
a BR-158 a partir de Barra do Garças, leste de Mato Grosso, dificilmente imagina que não muito
tempo atrás, em 1945, o Brasil acabava ali. O que havia na outra
margem era um território imenso, dividido entre mais de uma
dezena de nações de línguas e costumes distintos. A missão dos Villas Bôas era se embrenhar 500
quilômetros a pé na mata e integrar essas nações ao Brasil, convencendo seus habitantes a capitular de forma pacífica. No caminho, cobras, onças e doenças tropicais (Orlando teve mais de 200
acessos de malária; Leonardo, o
mais novo, acabaria morrendo
mais cedo, de males do sertão).
Isso sem falar nos índios, nem
sempre convencidos de que os caraíbas barbudos que invadiam
seus territórios queriam na verdade salvá-los. A expedição encarou
a morte nas flechas dos xavantes
ou nas bordunas dos txucarramães. Estes quase massacraram o
grupo, sob gritos de "Bakubin,
bakubin, kubencrid atxueri!"
(mata, mata, branco não presta!).
Muitos dos "causos" narrados
por Villas Bôas aparecem em escritos anteriores. Na autobiografia, no entanto, ele tira vantagem
do fato de ser o último sobrevivente daquele período para contar detalhes, digamos, prosaicos.
Um dos mais saborosos é sua
especulação de que o motivo da
Marcha para o Oeste não foi o desejo de Getúlio Vargas de integrar
o Brasil Central, mas sua vontade
de livrar o Catete de um servidor
incômodo, o coronel Flaviano
Vanique, designado para chefiar a
expedição Roncador-Xingu, em
1943. A decisão se mostraria fatal
para Vargas, já que Vanique foi
substituído por ninguém menos
que Gregório Fortunato.
Orlando Villas Bôas: Histórias e Causos
Autor: Orlando Villas Bôas
Editora: FTD
Quanto: R$ 59 (216 págs.)
Texto Anterior: Trecho Próximo Texto: Música: Idoso, Deep Purple se diz contemporâneo Índice
|