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NINA HORTA
Comendo como qualquer mortal
Salvei a brigada de levantar às três da manhã e desmitifiquei o café dos executivos
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MUITAS PROMOTORAS nos telefonam pedindo um café
da manhã para executivos.
Tento convencê-las a não fazer pelo
seguinte motivo: estou certa de que
o mundo é dividido em pessoas que
tomam café da manhã e aquelas que
não tomam.
As que tomam não saem de casa
sem um cafezinho e uma torrada,
pelo menos. Logo, chegarão à festa
com o café tomado. Outras não têm
a menor fome de manhã. Nenhuma.
E não vão ter às nove da manhã,
quando serão servidos os sucos e os
sanduichinhos.
Dirão vocês que o problema talvez
seja meu, porque, para preparar um
café às nove da manhã, os empregados saem de casa às 3h para chegarem ao lugar onde será servido o
breakfast às 7h.
Cá por mim, detesto acordar cedo
demais e considero o despertador o
meu maior inimigo. Defendo os outros o que posso desta infâmia.
Lembro-me da secretária de um
amigo que foi designada pelo patrão
a fazer um café da manhã por semana, lá no fim do mundo. E era pouca
gente. O patrão era o Leão Serva, que
nem sabe disso. E ela, Ângela, a menina medrosa.
- Ângela, eu não posso ir aí, neste
cafundó, fazer um café da manhã para sete pessoas. Prefiro te ensinar a
fazer um café.
- De jeito nenhum, a senhora não
imagina, são executivos importantes, nem moorta...
- Ângela, o que você come quando
se levanta?
- Ah, eu sou de uma família simples. Como um pedaço de pão com
manteiga e queijo, um café com leite
e um pedaço de mamão.
- E o que você imagina que estas
grandes figuras comam?
Eu ainda por cima não tinha dúvidas, pois o Leão, pelo menos enquanto menino, comia muito lá em
casa e era o que vinha à mesa, sem
frescura e com muito apetite.
- Ah, não sei... Sei lá...
- Pois Ângela, quase todos os brasileiros comem a mesma coisa de
manhã. Tem padaria aí perto?
- Tem. É uma padaria e tanto, o
bairro inteiro vem tomar café aqui.
- Então, para começar, encomende os pães que você acha melhores.
Manteiga salgada e sem sal, queijo
de Minas e um queijo prato, aqueles
queijos fortes não são muito gostosos pela manhã.
Vi que ela estava se tornando mais
confiante com a idéia de que o Leão
e os amigos comiam de manhã como
os demais mortais. Chegamos a
umas frutas básicas, que não dessem
trabalho para comer, alguma novidade muito interessante que ela
achasse na padaria e pronto! Estava
resolvida a questão, e o Serva não
pagaria a viagem de um bufê até o
Tatuapé, se não me engano.
Mais tarde, a Ângela telefonou,
trêmula de sucesso, tinha arrasado,
comeram tudo e foram para a primeira reunião de bom humor.
Todo mês me telefonava pedindo
uma ou outra sugestão sobre louça,
talher, guardanapo. Passou para o
café expresso, com uma jarrinha de
leite ao lado, começou a fazer sanduíches pequenos de pão de miga
com presunto e queijo, inovou nos
sucos, fazia ovos mexidos na frente
deles, numa espiriteira, e os servia
bem moles, com o pão bem quentinho.
Fiquei uns tempos sem ouvir falar
dela, quando um dia telefonou, dando risada de si mesma.
- Ah, dona Nina, a senhora nem sabe quanto é que me desenvolvi. Já
fiz até café da manhã árabe para
eles!
Não quis me aprofundar na questão, feliz com o sucesso da aluna e temendo que ela já estivesse saindo
dos conformes. Só sei que salvei a
brigada de levantar às três da manhã, desmitifiquei o café da manhã
dos executivos, sabendo que aqui no
Sul é a refeição mais democrática
que pode haver, e enfiei a cabeça debaixo do travesseiro, com o maior
gosto, enquanto a secretária penava
nas madrugadas. Felizes da vida, nós
duas.
ninahorta@uol.com.br
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