São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Crítica

Best-seller divide opiniões e cria "zafonadictos"

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

A carreira do escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón (Barcelona, 1964) é, para dizer o mínimo, meteórica. Começou como premiado autor de obras juvenis, mas, em 2001, deu o grande salto com o romance "A Sombra do Vento", que, traduzido em 30 idiomas e publicado em 45 países, vendeu milhões de exemplares, recebendo prêmios e transformando o autor num best-seller internacional -na Espanha, fala-se em "zafonadictos", fãs incondicionais do escritor.
Sete anos depois, Zafón nos dá um segundo romance, "O Jogo do Anjo", que já está repetindo o êxito, e que nos permite entender um pouco aquilo que poderíamos chamar de anatomia do best-seller.
A história, que tem como cenário a sempre fascinante cidade de Barcelona no começo do século 20, começa de maneira relativamente simples: David Martín, filho de um veterano de guerra violento e desesperado e de uma mãe com quem não tem contato, é um jovem que trabalha em um medíocre jornal.

Trama de sucesso
Mas aí vê-se diante da situação descrita no parágrafo inicial do romance: "Um escritor nunca esquece a primeira vez em que aceita algumas moedas ou um elogio em troca de uma história".
É contratado por uma editora para escrever, sob pseudônimo, uma série de publicações que acabam alcançando grande êxito.
Então, recebe uma nova oferta, desta vez de um misterioso editor de Paris, Andreas Corelli: trata-se de produzir, mediante fabuloso pagamento, um livro que será uma espécie de Bíblia para uma nova religião a ser fundada.
A partir daí a ação se ace- lera, entra num ritmo vertiginoso, e as mais rocambolescas aventuras se sucedem, prendendo a atenção do leitor de forma irresistível.
O fantástico, lembrando um pouco García Marquez, ou mesmo Borges, comparece por meio de um misterioso lugar chamado a Cemitério dos Livros Esquecidos; ali, Martín encontra uma antiga obra escrita por alguém que tem algo em comum com ele próprio, e que o jovem escritor trata de achar, enquanto luta com a dor de um desengano amoroso.
Mas o livro é mais um thriller, com mortes se sucedendo em cenários sombrios (cemitérios, mansões em ruínas), o que gera um clima de paranóico pesadelo: de fato, David só pode confiar em seu amigo, o livreiro Sempere, e em Isabella, uma espécie de discípula literária.
Diz o "New York Times": "Ruiz Zafón nos apresenta um elenco de selvagens e cativantes histórias e personagens". Ou seja: nada de monólogos interiores, nada de longas reflexões sobre a condição humana e o sentido da existência, ainda que frases espirituosas (o humor do autor é outro apelo à leitura) pontilhem a narrativa.
Os diálogos, aliás, são vivos e ágeis e há cenas cinematográficas, como aquela da morte de Cristina: rompe-se o gelo sobre o qual caminha descalça, ela cai na água, o gelo fecha-se sobre ela e por ali David Martín a vê morrer. Falando em cinema: Zafón trabalha como roteirista em Los Angeles, onde vive desde 1993 com a esposa. Críticos torceram o nariz para este livro e, de fato, um apreciador de Proust não gostará muito dele. Portanto, se perguntarmos se o livro é bom, obteremos respostas discordantes. Mas se perguntarmos se o autor faz bem aquilo que se propõe a fazer, a resposta será afirmativa.
Um livro de ação, bem narrado, agrada a muita gente. Os "zafonadictos" que o digam.

O JOGO DO ANJO
Autor: Carlos Ruiz Zafón
Tradução: Eliana Aguiar
Editora: Suma de Letras
Quanto: R$ 39,90 (416 págs.)
Avaliação: bom



Texto Anterior: Livros: Ruiz Zafón retorna aos mistérios de Barcelona
Próximo Texto: Crítica/ "Antigos e Soltos": Rascunhos revelam Ana Cristina Cesar
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.