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Artista paulistano, de 43 anos, é homenageado com retrospectiva no Festival Internacional de BH
Quadrinhos são como "divã", diz Angeli
Lili Martins/Folha Imagem
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O quadrinhista Angeli, que comemora 30 anos de carreira |
PEDRO CIRNE DE ALBUQUERQUE
do Guia da Folha
Do machão Bibelô ao homossexual Nanico, do comunista
Meiaoito ao guru místico Rhalah
Rikota, do punk Bob Cuspe à pornográfica Mara Tara, os 30 anos
de carreira do quadrinhista Angeli estarão retratados em 85 painéis
na exposição "Matador". A retrospectiva do colaborador da Folha faz parte do Festival Internacional de Quadrinhos, que acontece de hoje a 5 de dezembro em
Belo Horizonte (leia texto nesta
página).
Nestes 30 anos, Angeli, 43, trabalhou principalmente em três
áreas: charge, quadrinhos e edição. Como chargista, ocupou a segunda página da Folha de 1975 a
1983 -foi ele o primeiro artista fixo desse espaço. Retornou à charge em 1993 e continua publicando
lá até hoje suas críticas ao governo, à oposição e a tudo mais que
puder atingir. "É o meu trabalho
mais difícil", conta.
Como quadrinhista, publica
desde 1983 uma tira diária na
Ilustrada. Foi nesse espaço que
surgiram tipos como a "falecida"
Rê Bordosa.
Com a revista "Chiclete com Banana", Angeli pôs em prática seu
lado editor e conseguiu o que talvez seja sua maior façanha: abrir
espaço para os quadrinhos brasileiros voltados para o público
adulto. Depois dela, vieram revistas como "Piratas do Tietê" e "Geraldão". "Chiclete" chegou a atingir a tiragem de 110 mil cópias e
vendia cerca de 70 mil por edição
até o Plano Collor, em 1990 -depois, não ultrapassou os 9.000
exemplares.
Leia a seguir trechos da entrevista com o quadrinhista.
Folha - No editorial da primeira "Chiclete com Banana", você
escreveu que o objetivo da revista era "beliscar a bunda do
ser humano para ver se a besta
acorda". Oito anos depois do
fim da revista, o que você conseguiu com a "Chiclete"?
Angeli - Ela me deu retorno financeiro -até o Plano Collor,
claro. Por algum motivo, ela tinha
um discurso forte e abriu espaço
para um mercado que não existia.
Talvez o motivo sejam os tipos urbanos que apareciam nela e o fato
de ser uma revista de humor para
adultos. O que eu mais gosto de
ouvir é dizerem que começaram a
desenhar por causa da revista -é
o caso do Adão Iturrusgarai.
Folha - Por que a "Chiclete"
tem esse nome?
Angeli - Por causa da música do
Jackson do Pandeiro que fala da
mistura de elementos norte-americanos (chiclete) com brasileiros
(banana). Eu tenho muita influência dessa cultura: Robert
Crumb, rock, hippie, mas faço um
trabalho bem brasileiro.
Folha - Como o trabalho de
Crumb influenciou você?
Angeli - Eu tenho muito dessa
coisa do Crumb de me esfaquear
na frente do leitor. É o caso da série "Angeli em Crise".
A primeira vez que fiz "Angeli
em Crise" eu estava achando todos os meus personagens chatos,
não conseguia criar. E publiquei
uma tira comigo em cima de
uma prancheta me queixando
da minha falta de criatividade.
Depois recebi uma carta de
Curitiba. Era um casal que
acompanhava meu trabalho e
me pedia para não desanimar.
Foi muito legal: era o autor conversando com os leitores.
Folha - Como você define
seus quadrinhos?
Angeli - Eu faço o levantamento de tipos urbanos -o que comem, escutam, onde eles vão.
Todos os meus personagens são
palpáveis, você sempre conhece
alguém que é parecido com eles.
Não consigo criar ficção.
A idéia inicial não é essa, mas
os quadrinhos se tornam uma
terapia para mim. É um enorme
divã. Por exemplo, eu tinha uma
certa vergonha por ser da periferia. Depois do Bob Cuspe, passei
a ter orgulho da minha origem.
Folha - O que você quer dizer
com usar os quadrinhos como
uma terapia?
Angeli - A minha formação é
bastante tosca, repeti quatro vezes o primeiro ginasial. Eu não
conseguia solucionar algumas
vergonhas e ignorâncias que tinha dentro de mim. Mexendo
com meus personagens, eu consigo tratar desses problemas.
Há pouco tempo, eu fiz a série
"Eu Fui ao Casamento do meu
Amigo Paulo Caruso". A verdade é que eu não pude ir e usei esta
série para pedir desculpas. Funcionou: o Paulo gostou.
Folha - Matar a Rê Bordosa
tem a ver com essa terapia?
Angeli - Sim. Eu bebia muito
na época em que a escrevia. E era
a época em que meu filho tinha
acabado de nascer. Ele tinha 2
anos, queria passear com o pai
em um dia de sol e ia lá o menininho de mão dada com uma caveira. Também foi uma época
em que comecei a trabalhar por
prazer, e a bebida estava me atrapalhando muito. Resolvi parar.
Folha - O que dá mais trabalho: a tira ou o charge?
Angeli - A charge é muito mais
difícil porque a informação vem
de fora. Você não pode cometer
erros políticos. Na tira não, você
manda brasa como quiser.
Folha - Você pretende voltar
a publicar uma revista mensal?
Angeli - Sim, mas com mais
planejamento. A "Chiclete" eu
fiz toda na porrada. Tenho engavetado o projeto da revista "Matador". Tem caras com quem seria muito bom trabalhar, como o
Allan Sieber e o Fabio Zimbres.
Folha - Seu filho, Pedro Angeli, 18, desenhista, é um deles?
Angeli - Ele tem as manhas de
desenhar, mas o negócio dele é a
música. A banda dele, 69 Centavos, está crescendo.
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