São Paulo, Quarta-feira, 01 de Dezembro de 1999


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Artista paulistano, de 43 anos, é homenageado com retrospectiva no Festival Internacional de BH
Quadrinhos são como "divã", diz Angeli

Lili Martins/Folha Imagem
O quadrinhista Angeli, que comemora 30 anos de carreira


PEDRO CIRNE DE ALBUQUERQUE
do Guia da Folha


Do machão Bibelô ao homossexual Nanico, do comunista Meiaoito ao guru místico Rhalah Rikota, do punk Bob Cuspe à pornográfica Mara Tara, os 30 anos de carreira do quadrinhista Angeli estarão retratados em 85 painéis na exposição "Matador". A retrospectiva do colaborador da Folha faz parte do Festival Internacional de Quadrinhos, que acontece de hoje a 5 de dezembro em Belo Horizonte (leia texto nesta página).
Nestes 30 anos, Angeli, 43, trabalhou principalmente em três áreas: charge, quadrinhos e edição. Como chargista, ocupou a segunda página da Folha de 1975 a 1983 -foi ele o primeiro artista fixo desse espaço. Retornou à charge em 1993 e continua publicando lá até hoje suas críticas ao governo, à oposição e a tudo mais que puder atingir. "É o meu trabalho mais difícil", conta.
Como quadrinhista, publica desde 1983 uma tira diária na Ilustrada. Foi nesse espaço que surgiram tipos como a "falecida" Rê Bordosa.
Com a revista "Chiclete com Banana", Angeli pôs em prática seu lado editor e conseguiu o que talvez seja sua maior façanha: abrir espaço para os quadrinhos brasileiros voltados para o público adulto. Depois dela, vieram revistas como "Piratas do Tietê" e "Geraldão". "Chiclete" chegou a atingir a tiragem de 110 mil cópias e vendia cerca de 70 mil por edição até o Plano Collor, em 1990 -depois, não ultrapassou os 9.000 exemplares.
Leia a seguir trechos da entrevista com o quadrinhista.

Folha - No editorial da primeira "Chiclete com Banana", você escreveu que o objetivo da revista era "beliscar a bunda do ser humano para ver se a besta acorda". Oito anos depois do fim da revista, o que você conseguiu com a "Chiclete"?
Angeli -
Ela me deu retorno financeiro -até o Plano Collor, claro. Por algum motivo, ela tinha um discurso forte e abriu espaço para um mercado que não existia. Talvez o motivo sejam os tipos urbanos que apareciam nela e o fato de ser uma revista de humor para adultos. O que eu mais gosto de ouvir é dizerem que começaram a desenhar por causa da revista -é o caso do Adão Iturrusgarai.

Folha - Por que a "Chiclete" tem esse nome?
Angeli -
Por causa da música do Jackson do Pandeiro que fala da mistura de elementos norte-americanos (chiclete) com brasileiros (banana). Eu tenho muita influência dessa cultura: Robert Crumb, rock, hippie, mas faço um trabalho bem brasileiro.

Folha - Como o trabalho de Crumb influenciou você?
Angeli -
Eu tenho muito dessa coisa do Crumb de me esfaquear na frente do leitor. É o caso da série "Angeli em Crise".
A primeira vez que fiz "Angeli em Crise" eu estava achando todos os meus personagens chatos, não conseguia criar. E publiquei uma tira comigo em cima de uma prancheta me queixando da minha falta de criatividade.
Depois recebi uma carta de Curitiba. Era um casal que acompanhava meu trabalho e me pedia para não desanimar. Foi muito legal: era o autor conversando com os leitores.

Folha - Como você define seus quadrinhos?
Angeli -
Eu faço o levantamento de tipos urbanos -o que comem, escutam, onde eles vão. Todos os meus personagens são palpáveis, você sempre conhece alguém que é parecido com eles. Não consigo criar ficção.
A idéia inicial não é essa, mas os quadrinhos se tornam uma terapia para mim. É um enorme divã. Por exemplo, eu tinha uma certa vergonha por ser da periferia. Depois do Bob Cuspe, passei a ter orgulho da minha origem.

Folha - O que você quer dizer com usar os quadrinhos como uma terapia?
Angeli -
A minha formação é bastante tosca, repeti quatro vezes o primeiro ginasial. Eu não conseguia solucionar algumas vergonhas e ignorâncias que tinha dentro de mim. Mexendo com meus personagens, eu consigo tratar desses problemas.
Há pouco tempo, eu fiz a série "Eu Fui ao Casamento do meu Amigo Paulo Caruso". A verdade é que eu não pude ir e usei esta série para pedir desculpas. Funcionou: o Paulo gostou.

Folha - Matar a Rê Bordosa tem a ver com essa terapia?
Angeli -
Sim. Eu bebia muito na época em que a escrevia. E era a época em que meu filho tinha acabado de nascer. Ele tinha 2 anos, queria passear com o pai em um dia de sol e ia lá o menininho de mão dada com uma caveira. Também foi uma época em que comecei a trabalhar por prazer, e a bebida estava me atrapalhando muito. Resolvi parar.

Folha - O que dá mais trabalho: a tira ou o charge?
Angeli -
A charge é muito mais difícil porque a informação vem de fora. Você não pode cometer erros políticos. Na tira não, você manda brasa como quiser.

Folha - Você pretende voltar a publicar uma revista mensal?
Angeli -
Sim, mas com mais planejamento. A "Chiclete" eu fiz toda na porrada. Tenho engavetado o projeto da revista "Matador". Tem caras com quem seria muito bom trabalhar, como o Allan Sieber e o Fabio Zimbres.

Folha - Seu filho, Pedro Angeli, 18, desenhista, é um deles?
Angeli -
Ele tem as manhas de desenhar, mas o negócio dele é a música. A banda dele, 69 Centavos, está crescendo.


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