São Paulo, quarta-feira, 01 de dezembro de 2004

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CINEMA

"Chung Ko. Cina", documentário de quase quatro horas, havia sido censurado no país e considerado "imperialista"

Após 32 anos, filme de Antonioni sobre a China é liberado

CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

Trinta e dois anos depois de ser filmado na China pelo diretor italiano Michelangelo Antonioni, 92, o documentário "Chung Ko. Cina" pôde finalmente ser visto pelos chineses no sábado.
Tachado de "imperialista" e "revisionista" pelo grupo comandado pela mulher de Mao Tsé-tung, Chiang Ching, o filme teve sua exibição proibida na China em 1973, ao mesmo tempo em que Antonioni foi alvo de campanha difamatória nos jornais ligados ao Partido Comunista chinês.
Antonioni havia sido convidado a realizar o documentário por Zhou Enlai, então ministro das Relações Exteriores e bem mais moderado que a "Gangue dos Quatro" de Chiang Ching. Ficou na China em 1972 por cinco semanas, durante as quais esteve em Pequim, Xangai, Nanquim, Suzhou, na comuna agrícola China-Albânia, na Muralha da China e nas tumbas Ming.
O resultado é uma visão poética de um país mergulhado no turbilhão da Revolução Cultural, no qual as crianças cantavam músicas revolucionárias e os adultos discutiam a construção do socialismo com o Livro Vermelho de Mao na mão. O título é o nome da China em chinês ("Chung Kuo") e italiano ("Cina").
Apesar de Antonioni fazer referência à fiscalização e ao controle que os chineses exerceram durante a filmagem e de a pobreza estar presente na tela, as razões da proibição do filme parecem incompreensíveis ao fim das quase quatro horas de projeção.
A pobreza é apresentada como digna e austera e há um entusiasmo genuíno do diretor pelo caminho socialista que os chineses tentavam trilhar. Segundo Carlo di Carlo, colaborador de Antonioni por 42 anos, o documentário foi vítima da disputa de poder entre a "Gangue dos Quatro" e os moderados ligados a Zhou Enlai. "Antonioni era um símbolo do estrangeiro e do revisionismo. Ao atacá-lo, eles [os extremistas] atacavam também os que o apoiavam, como Zhou Enlai", afirmou Carlo, na segunda-feira, em um jantar com jornalistas.
"Eu posso ter visto algo muito comovente e doce e podem ter julgado isso pouco respeitoso e revolucionário. Ou pode ser que o grupo liberal e compreensivo que me assistiu no trabalho tenha sido substituído por um grupo menos tolerante e mais duro", declarou Antonioni à imprensa italiana no início de 1974.
A Revolução Cultural criticava os símbolos do passado chinês e condenava de maneira implacável qualquer comportamento que pudesse ser considerado "burguês" ou "ocidental". Seu método mais cruel de combate eram as sessões públicas de autocrítica, nos quais os considerados "contra-revolucionários" tinham de confessar, muitas vezes sob tortura, supostos vínculos com o passado. Esse lado obscuro da Revolução Cultural está ausente do documentário. A face do movimento que aparece em "Chung Kuo. Cina" são as canções revolucionárias, os cartazes com imagens ao estilo do realismo socialista, os uniformes azuis usados pela maioria da população e a onipresença de Mao Tsé-tung.
A paisagem urbana parece pertencer a um passado muito mais remoto que 1972. Bicicletas dominavam as ruas e algumas das avenidas da atual Pequim eram pouco mais do que becos há 32 anos.
Antonioni decidiu realizar o documentário sem depoimentos ou entrevistas. O que sua câmera capta é o cotidiano dos chineses, seus olhares, gestos, hábitos e algumas conversas. "Eis um país distante e desconhecido, que posso só olhar, não explicar em profundidade", disse o diretor.


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