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CINEMA
"Chung Ko. Cina", documentário de quase quatro horas, havia sido censurado no país e considerado "imperialista"
Após 32 anos, filme de Antonioni sobre a China é liberado
CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM
Trinta e dois anos depois de ser
filmado na China pelo diretor italiano Michelangelo Antonioni, 92,
o documentário "Chung Ko. Cina" pôde finalmente ser visto pelos chineses no sábado.
Tachado de "imperialista" e "revisionista" pelo grupo comandado pela mulher de Mao Tsé-tung,
Chiang Ching, o filme teve sua
exibição proibida na China em
1973, ao mesmo tempo em que
Antonioni foi alvo de campanha
difamatória nos jornais ligados ao
Partido Comunista chinês.
Antonioni havia sido convidado a realizar o documentário por
Zhou Enlai, então ministro das
Relações Exteriores e bem mais
moderado que a "Gangue dos
Quatro" de Chiang Ching. Ficou
na China em 1972 por cinco semanas, durante as quais esteve em
Pequim, Xangai, Nanquim, Suzhou, na comuna agrícola China-Albânia, na Muralha da China e
nas tumbas Ming.
O resultado é uma visão poética
de um país mergulhado no turbilhão da Revolução Cultural, no
qual as crianças cantavam músicas revolucionárias e os adultos
discutiam a construção do socialismo com o Livro Vermelho de
Mao na mão. O título é o nome da
China em chinês ("Chung Kuo")
e italiano ("Cina").
Apesar de Antonioni fazer referência à fiscalização e ao controle
que os chineses exerceram durante a filmagem e de a pobreza estar
presente na tela, as razões da proibição do filme parecem incompreensíveis ao fim das quase quatro horas de projeção.
A pobreza é apresentada como
digna e austera e há um entusiasmo genuíno do diretor pelo caminho socialista que os chineses tentavam trilhar. Segundo Carlo di
Carlo, colaborador de Antonioni
por 42 anos, o documentário foi
vítima da disputa de poder entre a
"Gangue dos Quatro" e os moderados ligados a Zhou Enlai. "Antonioni era um símbolo do estrangeiro e do revisionismo. Ao
atacá-lo, eles [os extremistas] atacavam também os que o apoiavam, como Zhou Enlai", afirmou
Carlo, na segunda-feira, em um
jantar com jornalistas.
"Eu posso ter visto algo muito
comovente e doce e podem ter
julgado isso pouco respeitoso e
revolucionário. Ou pode ser que o
grupo liberal e compreensivo que
me assistiu no trabalho tenha sido
substituído por um grupo menos
tolerante e mais duro", declarou
Antonioni à imprensa italiana no
início de 1974.
A Revolução Cultural criticava
os símbolos do passado chinês e
condenava de maneira implacável qualquer comportamento que
pudesse ser considerado "burguês" ou "ocidental". Seu método
mais cruel de combate eram as
sessões públicas de autocrítica,
nos quais os considerados "contra-revolucionários" tinham de
confessar, muitas vezes sob tortura, supostos vínculos com o passado. Esse lado obscuro da Revolução Cultural está ausente do documentário. A face do movimento que aparece em "Chung Kuo.
Cina" são as canções revolucionárias, os cartazes com imagens ao
estilo do realismo socialista, os
uniformes azuis usados pela
maioria da população e a onipresença de Mao Tsé-tung.
A paisagem urbana parece pertencer a um passado muito mais
remoto que 1972. Bicicletas dominavam as ruas e algumas das avenidas da atual Pequim eram pouco mais do que becos há 32 anos.
Antonioni decidiu realizar o documentário sem depoimentos ou
entrevistas. O que sua câmera
capta é o cotidiano dos chineses,
seus olhares, gestos, hábitos e algumas conversas. "Eis um país
distante e desconhecido, que posso só olhar, não explicar em profundidade", disse o diretor.
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