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MARCELO COELHO
Com 1 milhão de pteridófitas
Leio estranhas frases na revista "IstoÉ" desta semana.
Por exemplo: "No dina vit do de
Abinu d doni come kicna do no
ba Basinu terã mlazsa". É o que
escreveu um aluno de escola pública numa prova de ditado. A
frase correta era: "No dia 22 de
abril, comemoramos os 500 anos
do Brasil, que é uma terra maravilhosa".
Esse foi, em maio de 2000, o teste aplicado pela revista em dezenas de estudantes de escolas municipais e estaduais na Grande
São Paulo e numa cidade próxima a Belo Horizonte. Neste ano, o
jornalista Gilberto Nascimento
voltou à carga, com frase parecida, e obteve resultados igualmente desanimadores: "Modia 22
deabi coneroso o deco Bazi, cietera naraiza". O menino que escreveu isso tem 12 anos de idade e está na quarta série.
Como sabemos, esses alunos
passam de ano automaticamente,
dado o sistema da "progressão
continuada". O efeito é que terminam perdidos dentro da sala
de aula: tanto em 2000 como agora, o repórter registra que, submetidos ao teste, alguns alunos acabam chorando de vergonha.
Tento decifrar os garranchos de
um aluno de oitava série em Guarulhos, reproduzidos na revista.
Tratava-se de uma prova de estudos sociais, imagino, com perguntas bastante exigentes. "Qual a relação entre o trabalho informal e
o déficit da Previdência?" Resposta do estudante: "Previdesipodia
judaotrabalado".
Não estamos mais, evidentemente, diante daquelas divertidas "pérolas" que se colecionam
nas provas de candidatos ao vestibular e que volta e meia aparecem na imprensa ou na internet.
Outra pergunta: "Explique por
que o economista Jorge Mattoso
afirma que a empregabilidade
(escolaridade), em si, não cria
emprego". Resposta: "Imbhegasinavida paraviker conobarfamc".
É quase o grito de desespero, o
pedido de socorro de um animal
aprisionado, com quem ridiculamente um cientista britânico, no
estilo de Mr. Magoo, estivesse tentando entabular uma conversa.
Espero que não haja desprezo
nessa comparação. Penso menos
na ignorância vivida por esses
alunos do que no seu sofrimento.
Ano após ano, por mais de uma
década, estão obrigados a freqüentar a escola, entendendo cada vez menos o que se passa, detestando o que vêem, sentindo-se
humilhados, excluídos e, claro,
querendo vingar-se e fugir de tudo.
Claro que não estão acorrentados à carteira, mas do ponto de
vista subjetivo sua situação não
será muito diferente daquela de
um presidiário. Que se entreguem
ao vandalismo ou à droga, por
exemplo, não é a mais extrema
das reações possíveis.
Passo agora aos estudantes da
nossa privilegiada classe média e
também sinto pena. Sempre dou
uma olhada, quando chega esta
época do ano, nas questões que
são pedidas no vestibular. Haverá
coisa mais massacrante, mais injusta, mais contraproducente,
mais emburrecedora do que esse
sistema de seleção?
Pelo que sei, fica cada vez mais
difícil entrar em cursos como os
de filosofia, letras, ciências sociais... para não falar de jornalismo, teatro, artes plásticas. Posso
estar sendo tendencioso ao tomar
as dores dos candidatos a esse tipo de curso, com os quais tenho
afinidade, mas por que um vestibulando de direito ou medicina
seria forçado a conhecer tanto de
geometria analítica ou de química orgânica?
No meu tempo, o vestibular já
condensava uma série de exigências descabidas, mas a concorrência para os cursos de humanas
não era tão alta. Hoje em dia, para quem quiser freqüentar um
curso de cinema, pode ser decisivo
saber a diferença entre uma pteridófita e uma briófita; e a carreira
de um futuro advogado poderá
depender de distinguir entre o polimetacrilato de metila e o politetrafluoroetileno. Estou citando
duas questões do vestibular da
Fuvest deste ano.
Nada contra o ensino de ciências e a necessidade de treinar-se
o pensamento lógico: a grande
maioria dos seres humanos, mesmo se vocacionados à crítica literária ou ao desenho de moda, pode responder bem a esses assuntos. Não fosse assim, livros de Carl
Sagan, Marcelo Gleiser ou Stephen Jay Gould seriam um fracasso total. Por que não adotá-los
no vestibular, em vez de obrigar o
aluno a um treinamento exaustivo, estéril e frustrante na resolução de problemas em que não enxergam nenhum sentido?
Deve haver muitas respostas.
Não excluo a do sadismo: há prazer em aborrecer aqueles que nos
aborrecem, há sempre a vontade
de reprimir a alegria de quem é
mais jovem do que nós. "O que esses adolescentes estão pensando?
Que a vida é ficar na balada, andando de skate etc.? Ah, aqui vai
um probleminha daqueles, para
que vejam o que é bom." Cito
mais uma questão do vestibular,
suprimindo a figura que a acompanha.
"Uma jovem está parada em A,
diante de uma vitrine, cujo vidro,
de 3 m de largura, age como uma
superfície refletora plana vertical.
Ela observa a vitrine e não repara
que o amigo, que no instante t-0
está em B, se aproxima, com velocidade constante de 1 m/s, como
indicado na figura, vista de cima.
Se continuar observando a vitrine, a jovem poderá ver a imagem
do amigo, refletida no vidro, após
um intervalo de tempo, aproximadamente, de: a) 2s; b) 3s; c) 4s;
d) 5s; e) 6s.?"
Depois reclamamos dos adolescentes.
Provavelmente, a "jovem" não
enxergará amigo nenhum depois
de qualquer um desses "intervalos de tempo". Estará completamente doida de maconha, e o
amigo, antes que ela se dê conta,
já terá quebrado a vitrine com
um taco de beisebol.
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