São Paulo, sexta-feira, 01 de dezembro de 2006

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Crítica/Cinema/"O Labirinto do Fauno"

Del Toro cria bela narrativa fantástica sobre o medo

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Perdão pelo clichê, mas "O Labirinto do Fauno" é um soco no estômago.
Antes desse filme, Guillermo del Toro já havia dado provas de talento e de paixão pelo cinema, mas ainda não havia alcançado um resultado tão contundente dentro do gênero que lhe é caro -o cinema fantástico. Desconcertante e triste a ponto de arrancar lágrimas, o longa-metragem foi uma das melhores surpresas da competição do último Festival de Cannes, de onde saiu, injustamente, sem prêmios.
Os mesmos elementos que del Toro trabalha desde "Cronos" (filme que projetou seu nome internacionalmente, em 1993), e que foram repetidos com algumas variações em "Mutação" (1997), "Hellboy" (2004) e "A Espinha do Diabo" (2001), são retomados aqui com segurança e maturidade.
Para Del Toro, o cinema fantástico é uma ferramenta de investigação, uma janela para entender a capacidade humana de exercer o mal e de fugir dele. A fabulação é a válvula de escape de um mundo violento, mas não há uma separação clara entre aquilo que é concreto e o que é fantasia.
O fauno que aparece para a jovem Ofélia (a menina Ivana Baquero, ótima) é tão real quanto seu padrasto, o tirano capitão Vidal (vivido por Sergi López, de "Pintar ou Fazer Amor"). Ora bolas: as criaturas imaginárias, se são imaginadas, passam a existir. Elas fazem parte do real e, ainda que não possam ser tocadas, têm igual importância na vida daqueles que as imaginam.
No entanto, ao mesmo tempo em que mistura realidade e imaginação em um mesmo plano, Del Toro não confunde o medo físico e corporal com o medo fabular, dos incríveis monstros fantásticos. São coisas bem diferentes.
Aos poucos, e belamente, o filme vai se revelando um estudo sobre a diferença entre esses medos: o primeiro, ligado ao fascismo, à tirania, à dor e à morte; o segundo, ao contrário, à possibilidade de reinvenção e de afirmação da vida. Ao mal-estar da civilização (nauseante), se contrapõe o mal-estar da imaginação (inebriante). E os dois são duas faces de uma mesma moeda.

A vida sob Franco
A história se passa na Espanha, em 1944. A Guerra Civil já acabou há alguns anos, com o triunfo de Franco. Em um antigo sítio abandonado, o capitão Vidal instala um pequeno quartel militar. Tem o objetivo de minar os últimos sobreviventes da guerra, que se instalaram na mata e tentam dar continuidade à luta com táticas de guerrilha. Quando o filme começa, o capitão recebe no sítio sua nova mulher, Carmen (Ariadna Gil), e a filha do primeiro casamento dela, Ofélia.
A incursão de Ofélia pelo mundo fantástico começa assim que ela chega à casa, guiada por uma fada-libélula. Suas aventuras correm paralelas às operações militares de Vidal e às últimas e inúteis ações dos resistentes (alguns infiltrados no sítio). Os sonhos de Ofélia contrastam radicalmente com a utopia despedaçada pela violência autoritária.
É difícil ver "O Labirinto do Fauno" e não pensar em "O Espírito da Colméia", que o espanhol Victor Erice dirigiu em 1973. Apesar de serem filmes opostos em seus tratamentos formais -"O Labirinto" é exuberante e colorido, "O Espírito" é silencioso e monocromático-, os dois compartilham uma visão similar das possibilidades do cinema fantástico.
Erice também trabalha a imaginação de uma menina no contexto da guerra, com um resultado ainda mais belo. Mas, se na comparação "O Labirinto" sai perdendo (o filme de Erice é uma obra-prima), nem por isso ele deixa de ser a confirmação de um talento. Del Toro é, sim, capaz de construir um universo poético e coerente com elementos discrepantes e "tortos". Uma arquitetura fascinante, um pouco como um prédio de Gaudí.


O LABIRINTO DO FAUNO    
Direção: Guillermo del Toro
Produção: Espanha, EUA, México, 2006
Com: Ivana Baquero, Sergi López, Maribel Verdú, Ariadna Gil
Quando: a partir de hoje nos cines Bombril, Villa-Lobos e circuito


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