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Crítica/Cinema/"O Labirinto do Fauno"
Del Toro cria bela narrativa fantástica sobre o medo
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Perdão pelo clichê, mas
"O Labirinto do Fauno"
é um soco no estômago.
Antes desse filme, Guillermo
del Toro já havia dado provas
de talento e de paixão pelo cinema, mas ainda não havia alcançado um resultado tão contundente dentro do gênero que
lhe é caro -o cinema fantástico. Desconcertante e triste a
ponto de arrancar lágrimas, o
longa-metragem foi uma das
melhores surpresas da competição do último Festival de
Cannes, de onde saiu, injustamente, sem prêmios.
Os mesmos elementos que
del Toro trabalha desde "Cronos" (filme que projetou seu
nome internacionalmente, em
1993), e que foram repetidos
com algumas variações em
"Mutação" (1997), "Hellboy"
(2004) e "A Espinha do Diabo"
(2001), são retomados aqui
com segurança e maturidade.
Para Del Toro, o cinema fantástico é uma ferramenta de investigação, uma janela para entender a capacidade humana de
exercer o mal e de fugir dele. A
fabulação é a válvula de escape
de um mundo violento, mas
não há uma separação clara entre aquilo que é concreto e o
que é fantasia.
O fauno que aparece para a
jovem Ofélia (a menina Ivana
Baquero, ótima) é tão real
quanto seu padrasto, o tirano
capitão Vidal (vivido por Sergi
López, de "Pintar ou Fazer
Amor"). Ora bolas: as criaturas
imaginárias, se são imaginadas,
passam a existir. Elas fazem
parte do real e, ainda que não
possam ser tocadas, têm igual
importância na vida daqueles
que as imaginam.
No entanto, ao mesmo tempo em que mistura realidade e
imaginação em um mesmo plano, Del Toro não confunde o
medo físico e corporal com o
medo fabular, dos incríveis
monstros fantásticos. São coisas bem diferentes.
Aos poucos, e belamente, o
filme vai se revelando um estudo sobre a diferença entre esses
medos: o primeiro, ligado ao
fascismo, à tirania, à dor e à
morte; o segundo, ao contrário,
à possibilidade de reinvenção e
de afirmação da vida. Ao mal-estar da civilização (nauseante), se contrapõe o mal-estar da
imaginação (inebriante). E os
dois são duas faces de uma
mesma moeda.
A vida sob Franco
A história se passa na Espanha, em 1944. A Guerra Civil já
acabou há alguns anos, com o
triunfo de Franco. Em um antigo sítio abandonado, o capitão
Vidal instala um pequeno quartel militar. Tem o objetivo de
minar os últimos sobreviventes
da guerra, que se instalaram na
mata e tentam dar continuidade à luta com táticas de guerrilha. Quando o filme começa, o
capitão recebe no sítio sua nova
mulher, Carmen (Ariadna Gil),
e a filha do primeiro casamento
dela, Ofélia.
A incursão de Ofélia pelo
mundo fantástico começa assim que ela chega à casa, guiada
por uma fada-libélula. Suas
aventuras correm paralelas às
operações militares de Vidal e
às últimas e inúteis ações dos
resistentes (alguns infiltrados
no sítio). Os sonhos de Ofélia
contrastam radicalmente com
a utopia despedaçada pela violência autoritária.
É difícil ver "O Labirinto do
Fauno" e não pensar em "O Espírito da Colméia", que o espanhol Victor Erice dirigiu em
1973. Apesar de serem filmes
opostos em seus tratamentos
formais -"O Labirinto" é exuberante e colorido, "O Espírito"
é silencioso e monocromático-, os dois compartilham
uma visão similar das possibilidades do cinema fantástico.
Erice também trabalha a
imaginação de uma menina no
contexto da guerra, com um resultado ainda mais belo. Mas,
se na comparação "O Labirinto" sai perdendo (o filme de
Erice é uma obra-prima), nem
por isso ele deixa de ser a confirmação de um talento. Del
Toro é, sim, capaz de construir
um universo poético e coerente
com elementos discrepantes e
"tortos". Uma arquitetura fascinante, um pouco como um
prédio de Gaudí.
O LABIRINTO DO FAUNO
Direção: Guillermo del Toro
Produção: Espanha, EUA, México, 2006
Com: Ivana Baquero, Sergi López, Maribel Verdú, Ariadna Gil
Quando: a partir de hoje nos cines Bombril, Villa-Lobos e circuito
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