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CARLOS HEITOR CONY
De um diário íntimo
É doloroso passar pelos corredores vazios, salas fechadas, maltratadas, tudo ao abandono
12.12.98 - DUAS horas da manhã.
Sem conseguir dormir, peguei o
notebook, fiz uma crônica para
segunda-feira e puxei o diário para
registrar a semana. Uma surpresa:
sem nenhum aviso da Record, recebi a segunda edição do meu livro de
crônicas, lançado há menos de dois
meses.
Não esperava, sinceramente, a
reedição das crônicas. O livro até
agora não apareceu em nenhuma
lista dos mais vendidos, nem a editora me deu até agora qualquer informação sobre as vendas. Tirante a
Folha, não foi publicada nenhuma
resenha a respeito dele. Mesmo assim, a primeira edição esgotou-se
em cinco semanas.
Apesar dessa boa surpresa, continuo bastante deprimido com a situação da Manchete. Ontem, houve ameaça de invasão do edifício, as
portas dos dois prédios ficaram fechadas durante o expediente. No
momento, a casa tem mais seguranças do que o total de jornalistas
e técnicos.
Três meses de atraso no pagamento de salários, gente sendo despejada de suas casas, sem dinheiro
para o transporte, para a comida,
para o colégio dos filhos.
Soube que a Sendas dará um vale
de R$ 20 para os funcionários comprarem mantimentos da ceia de
Natal. Humilhante. Mas todos estão aceitando, o vale garante feijão,
arroz, macarrão, óleo, quiçá um
frango.
E pensar na abundância de outros tempos, quando havia almoços
monumentais para todos, distribuição de brinquedos para os filhos
do pessoal mais humilde.
Li o contrato com um banco que
o Jaquito me mostrou e vi que realmente omitiram a cláusula do passivo trabalhista. Tudo isso me deprime. Pessoalmente, posso manter meu padrão de vida.
Mas é doloroso passar pelos corredores vazios, salas fechadas, tudo
maltratado, ao abandono, sem os
quadros que o Adolpho fazia questão de exibir. E agora, a ameaça de
sofrer uma violência por parte dos
mais desesperados.
Ontem, fiz uma coisa que nunca
mais pensava fazer: comprei um pinheirinho e pedi que Verônica providenciasse luzinhas e enfeites para armar uma árvore de Natal na
sala. Há mais de dez anos deixei essa mania, que era coisa importante
na infância das minhas filhas e,
mais tarde, na infância da minha
neta.
Com o crescimento dela, deixei
de armar a árvore, embora todos os
anos reúna aqui em casa a família,
irmãos, sobrinhas, filhos. Neste
ano, teremos aqui o Dani, Michele,
as filhas de Dani com Sheila, duas
meninas adoráveis, Sacha e Natália. A presença das crianças sem
dúvida justifica a árvore.
Recebi da editora Objetiva o pedido -prontamente aceito- de fazer o prefácio para a biografia do
José Carlos de Oliveira, escrita por
Jason Tércio. Muito boa, por sinal,
a melhor de todas as que li na atual
safra de biografias.
Pena que o autor tenha dado
muito espaço ao folclore de Ipanema, por sinal, o mesmo que figura
em alguns outros livros surgidos
recentemente.
Mas a personalidade de Carlinhos, seu talento de cronista, suas
venturas e desventuras estão bem
captadas. O livro fica no plano dos
livros do Ruy Castro e do Fernando
Morais, bem superior aos demais
que estão na enxurrada editorial de
fim de ano.
Não cobrei nada da editora, em
homenagem ao Carlinhos. Brigamos algumas vezes, trocamos farpas e insultos, ele no "JB", eu no
"Correio da Manhã". Mas sempre
nos respeitamos e nos quisemos
bem.
Num momento difícil para ele,
chamei-o para trabalhar comigo,
por ocasião do lançamento da revista "Ele Ela".
Por sua vez, quando estava sendo
agredido todas as semanas pela esquerda, Carlinhos escreveu dois
longos artigos, atribuindo a campanha ao ressentimento de alguns
que trabalham na mídia.
Generosamente, colocou-me
muito bem dentro da literatura
brasileira contemporânea -e isso
numa época em que eu nem sequer
sonhava em voltar a escrever romances. Tenho guardados os dois
artigos; foram dos melhores que recebi em toda a vida.
Li o original ("Órfão da Tempestade") de uma sentada. E fiquei comovido e chocado com o sofrimento dele, sua crise mística (que eu ignorava), sua fabulosa capacidade
de refletir a condição humana a
partir de suas próprias exaltações e
depressões.
Vou escrever um prefácio bem
carinhoso, como alguém como o
Carlinhos merece.
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