São Paulo, sexta-feira, 01 de dezembro de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

De um diário íntimo

É doloroso passar pelos corredores vazios, salas fechadas, maltratadas, tudo ao abandono

12.12.98 - DUAS horas da manhã.
Sem conseguir dormir, peguei o notebook, fiz uma crônica para segunda-feira e puxei o diário para registrar a semana. Uma surpresa: sem nenhum aviso da Record, recebi a segunda edição do meu livro de crônicas, lançado há menos de dois meses.
Não esperava, sinceramente, a reedição das crônicas. O livro até agora não apareceu em nenhuma lista dos mais vendidos, nem a editora me deu até agora qualquer informação sobre as vendas. Tirante a Folha, não foi publicada nenhuma resenha a respeito dele. Mesmo assim, a primeira edição esgotou-se em cinco semanas.
Apesar dessa boa surpresa, continuo bastante deprimido com a situação da Manchete. Ontem, houve ameaça de invasão do edifício, as portas dos dois prédios ficaram fechadas durante o expediente. No momento, a casa tem mais seguranças do que o total de jornalistas e técnicos.
Três meses de atraso no pagamento de salários, gente sendo despejada de suas casas, sem dinheiro para o transporte, para a comida, para o colégio dos filhos.
Soube que a Sendas dará um vale de R$ 20 para os funcionários comprarem mantimentos da ceia de Natal. Humilhante. Mas todos estão aceitando, o vale garante feijão, arroz, macarrão, óleo, quiçá um frango.
E pensar na abundância de outros tempos, quando havia almoços monumentais para todos, distribuição de brinquedos para os filhos do pessoal mais humilde.
Li o contrato com um banco que o Jaquito me mostrou e vi que realmente omitiram a cláusula do passivo trabalhista. Tudo isso me deprime. Pessoalmente, posso manter meu padrão de vida.
Mas é doloroso passar pelos corredores vazios, salas fechadas, tudo maltratado, ao abandono, sem os quadros que o Adolpho fazia questão de exibir. E agora, a ameaça de sofrer uma violência por parte dos mais desesperados.
Ontem, fiz uma coisa que nunca mais pensava fazer: comprei um pinheirinho e pedi que Verônica providenciasse luzinhas e enfeites para armar uma árvore de Natal na sala. Há mais de dez anos deixei essa mania, que era coisa importante na infância das minhas filhas e, mais tarde, na infância da minha neta.
Com o crescimento dela, deixei de armar a árvore, embora todos os anos reúna aqui em casa a família, irmãos, sobrinhas, filhos. Neste ano, teremos aqui o Dani, Michele, as filhas de Dani com Sheila, duas meninas adoráveis, Sacha e Natália. A presença das crianças sem dúvida justifica a árvore.
Recebi da editora Objetiva o pedido -prontamente aceito- de fazer o prefácio para a biografia do José Carlos de Oliveira, escrita por Jason Tércio. Muito boa, por sinal, a melhor de todas as que li na atual safra de biografias.
Pena que o autor tenha dado muito espaço ao folclore de Ipanema, por sinal, o mesmo que figura em alguns outros livros surgidos recentemente.
Mas a personalidade de Carlinhos, seu talento de cronista, suas venturas e desventuras estão bem captadas. O livro fica no plano dos livros do Ruy Castro e do Fernando Morais, bem superior aos demais que estão na enxurrada editorial de fim de ano.
Não cobrei nada da editora, em homenagem ao Carlinhos. Brigamos algumas vezes, trocamos farpas e insultos, ele no "JB", eu no "Correio da Manhã". Mas sempre nos respeitamos e nos quisemos bem.
Num momento difícil para ele, chamei-o para trabalhar comigo, por ocasião do lançamento da revista "Ele Ela".
Por sua vez, quando estava sendo agredido todas as semanas pela esquerda, Carlinhos escreveu dois longos artigos, atribuindo a campanha ao ressentimento de alguns que trabalham na mídia.
Generosamente, colocou-me muito bem dentro da literatura brasileira contemporânea -e isso numa época em que eu nem sequer sonhava em voltar a escrever romances. Tenho guardados os dois artigos; foram dos melhores que recebi em toda a vida.
Li o original ("Órfão da Tempestade") de uma sentada. E fiquei comovido e chocado com o sofrimento dele, sua crise mística (que eu ignorava), sua fabulosa capacidade de refletir a condição humana a partir de suas próprias exaltações e depressões.
Vou escrever um prefácio bem carinhoso, como alguém como o Carlinhos merece.


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