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O bom do cara do 'maus'
Art Spiegelman, único cartunista premiado com o Pulitzer, fala sobre o melhor de sua obra, que sai em "Breakdowns"
Sean Gallup - 14.abr.08/Getty Images
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Capa histórica que fez para a ‘New Yorker’, sobre o 11 de Setembro
RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL
Art Spiegelman desconstrói
para poder construir. O cartunista vem usando esse método
desde o fim dos anos 60, quando surgiu no cenário underground dos EUA, para provar
aos incrédulos que HQs são,
sim, uma forma de arte.
O empenho lhe garantiu, em
1992, um inédito prêmio Pulitzer para um quadrinista, por
sua obra "Maus", em que relata
a história de seus pais em campos de concentração nazistas.
Boa parte desse trabalho de dissecar os quadrinhos pode
ser vista em "Breakdowns: Retrato do Artista Quando Jovem
%@&*!", que ganha caprichada edição da Quadrinhos na Cia.
Original de 1978, com os primeiros esboços de Spiegelman,
o livro sai agora com extensa
introdução, também ilustrada,
em que ele analisa sua carreira.
Por telefone à Folha, de Nova York, onde vive, Spiegelman, 61, falou sobre a HQ como
terapia, a dificuldade em desenhar e a "sombra" de "Maus".
FOLHA - "Breakdowns" analisa as
HQs como arte, mas também é bem
autobiográfica. Serve como terapia?
SPIEGELMAN - Olha, tentei terapia, é mais caro e é meio diferente. Tenho uma analogia horrível, mas não penso em nada
melhor, que é: terapia envolve
vomitar as coisas, quadrinhos é
mais como engolir o vômito. É
preciso vomitar antes de fazer
algo com isso. Mas, sim, ambos
envolvem autoanálise.
FOLHA - Pode-se dizer que a autoanálise é menos central que o fato de
o sr. ver boas histórias na sua vida?
SPIEGELMAN - Sim, acho que até
mais isso. Quando fiz "Maus",
pensei: "Seria ótimo fazer uma
HQ com a densidade que se associasse a literatura séria". Fiz
aquela versão de três páginas
[que está em "Breakdowns"] e
pareceu desperdício, porque
era uma história para contar.
Trabalhei em "Breakdowns"
nos anos anteriores à versão
em livro de "Maus". Estava
bem pouco interessado na história em si e mais no modo como imagem e texto se encaixam. Por isso "Breakdowns" é
tão difícil, ele requer foco, diferente de "Maus". "Maus" narra
alguma coisa, mostra as forças
em jogo numa trama complexa.
FOLHA - A nova introdução de
"Breakdowns" mostra o sr. tentando fugir da sombra de "Maus". É ironia ou isso de fato o incomoda?
SPIEGELMAN - É irônico e me incomoda. Por um lado, gostaria
que falassem: "Puxa, o que você
está fazendo agora é fantástico". Mas é claro que, quando fiz
"Maus", fiz o que no rock chamam de "crossover hit", capaz
de atrair inclusive quem não liga para HQs. Sou grato a
"Maus" porque, depois dela, foi
possível publicar minhas HQs
mais difíceis. Não que "Maus"
seja fácil, mas é difícil de modo
diferente. Ali, para tornar claro
algo complexo, tive de suprimir
coisas interessantes, como a
corrente de consciência do
meu pai contando a história.
Deixei isso de fora para que não
ficasse muito joyceano. O fato é
que a maioria dos cartunistas
que conheço, inclusive eu, têm
certa inveja de "Maus" [risos].
FOLHA - "Breakdowns" cita o artista Rodolphe Topffer sobre a ideia de
que cartunistas "desenham mal,
mas têm certo talento para escrita"
ou "escrevem de forma medíocre,
mas têm belo estilo de desenho"...
SPIEGELMAN - Se tivesse uma tatuagem -sou contra ter tatuagens, porque ouvi que em
Auschwitz eles transformavam
as peles tatuadas em abajures;
deve ser só rumor-, enfim, se
tivesse uma frase tatuada, seria
essa de Topffer, a coisa da existência entre dois lugares.
Há quem compare HQ com
literatura ou artes visuais, mas
o cartunista fica entre as duas
zonas e tem de equilibrá-las para que funcione. É um espaço
híbrido, que exige dois dons.
Embora grandes cartunistas
possam ser péssimos desenhistas ou péssimos escritores.
FOLHA - O sr. acha que é melhor
desenhista ou escritor?
SPIEGELMAN - Escrever é mais
fácil para mim, desenhar é sempre uma luta. Quando desenho
num guardanapo, por exemplo,
é fácil. Mas, quando tento fazer
algo específico, é um desafio.
No ano passado, saiu nos EUA
minha coleção de esboços "Be a
Nose" [seja um nariz], que é
uma frase de um filme obscuro
de Roger Corman, "Bucket of
Blood" [balde de sangue], sobre
um cara que tem inveja dos artistas que pegam todas as garotas. A certa altura, ele começa a
socar um monte de argila, dizendo: "Seja um nariz, seja um
nariz!". Ok, depois ele passa a
matar pessoas para usá-las como esculturas, mas, para mim,
aquele momento em que o cara
soca a massa e diz "seja um nariz", isso é ser um cartunista.
FOLHA - E o sr. faria um romance?
SPIEGELMAN - [pausa] Não. Às
vezes, escrevo ensaios. Até agora, nunca tive satisfação com
nenhuma ficção que tenha escrito. Eu me interesso demais
em desconstruir as coisas para
pensar em construir algo.
FOLHA - Quando criou a capa do 11
de Setembro para "New Yorker", imaginou que seria antológica?
SPIEGELMAN - Me pareceu a resposta certa. E, mesmo quando a
encontrei, não reconheci. Minha mulher [Françoise Mouly,
editora de arte da "New Yorker"] foi quem disse: "Essa é a
capa". Agora olho para trás e
penso: "Ok, foi um daqueles
momentos transcendentais".
FOLHA - Com que frequência o sr.
cria quadrinhos hoje em dia?
SPIEGELMAN - Não trabalho com
prazos. Se tento me expressar
bem, demora. Não sou prolífico
como meu colega Paul Auster,
que lança um livro a cada ano...
BREAKDOWNS
Tradução: Vanessa Barbara
Editora: Quadrinhos na Cia.
Quanto: R$ 79 (312 págs.)
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