São Paulo, quarta-feira, 02 de janeiro de 2002

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"O SENHOR DOS ANÉIS - A SOCIEDADE DO ANEL"

"Eu acredito em duendes" é chave para razão do filme

Divulgação
Elijah Wood, que interpreta Frodo em "O Senhor dos Anéis"


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Se existe um trailer honesto neste mundo, é o de "O Senhor dos Anéis". Tudo ali corresponde ao que acontece no filme: uma aventura em época imemorial (ou mítica, de todo modo fora do tempo), luta encarniçada e sem nuanças entre bem e mal, a predominância da magia, efeitos especiais a dar com o pau (artificiais, como de costume).
O filme inaugura uma trilogia que adapta o best-seller de J.R.R. Tolkien e gira em torno do jovem hobbit Frodo Bolseiro, cuja missão é destruir um anel que move as forças da escuridão.
Mais vale renunciar logo de cara a saber o que é um hobbit, ou o que venha a ser a Terra-média em que se desenvolvem os acontecimentos. Assim como a trama se dá em tempo nenhum, também o lugar é lugar nenhum.
No mais, os hobbits estarão às voltas com entidades obscuras, como elfos (da mitologia escandinava) ou duendes, cuja característica essencial é fazer a glória dos maquiadores e habitar lugares que fazem a glória dos cenógrafos. Não faltam, é claro, os mágicos do bem e os do mal, envolvidos em duelos que talvez justifiquem a tentativa dos publicitários de atribuir ao filme o epíteto de "épico" (palavra que é um excelente quebra-galho da indústria do entretenimento).
Por que a magia está em alta nesse ramo é uma pergunta cabível, com resposta quase impossível. Talvez seja o "pendant" industrial de uma frase estampada, com frequência, há algum tempo, no vidro traseiro dos carros: "Eu acredito em duendes" (substituída, nos últimos tempos, por outra, não menos misteriosa: "Eu já fui assaltado").
"A Sociedade do Anel" é, evidentemente, um filme para esse mercado. A acumulação de dados e elementos implausíveis dá o tom. Desde o início, pede-se ao espectador que se abra incondicionalmente à credulidade, quando se explica o inexplicável: a criação e outorga dos anéis que movem a história e, em particular, deste que é o centro do filme: o anel do mal, capaz de enfeitiçar até os bons, mas cujo destino é reencontrar e servir ao mal e dar-lhe o poder de dominar tudo.
Para um filme como esse, existem duas possibilidades: ou o uso adequado e tenso da imaginação ou sua inflação. Como o filme dirigido por Peter Jackson dedica-se a inflacionar a imaginação de forma desmesurada, é óbvio que o espectador tende ao sono profundo, enquanto na tela processa-se a overdose de magia. Nada parece ter relevo, nada emociona em particular.
O mérito maior desta "Sociedade" acaba sendo o de relevar as virtudes de um "Harry Potter", que também se vale da magia (e dos efeitos), mas tem o mérito de descrever não situações excepcionais, mas a vida cotidiana em uma escola para jovens magos. Que não é muito diferente, no mais, de uma escola britânica (ou não), com seus mestres, disciplina, amizades e rivalidades etc. "A Sociedade do Anel", ao contrário, opta pela banalização do extraordinário. Este reage e, de imediato, passa a ser ordinário, ou seja, apenas uma convenção que reduz o filme a uma carona no best-seller literário. Que dizer? Bons lucros!


O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel
Lord of the Rings - The Fellowship of the Ring  
Direção: Peter Jackson
Produção: Nova Zelândia/EUA, 2001
Com: Elijah Wood, Liv Tyler, Cate Blanchett
Onde: em cartaz nos cines Butantã 2, Gemini 2 e circuito




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