São Paulo, quinta-feira, 02 de janeiro de 2003 |
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Autor e diretor de "After Sun" propõe um teatro físico com duras provas aos atores O ARGENTINO RODRIGO GARCIA REVITALIZA O TEATRO EUROPEU Carne, dramas e ketchup
ALCINO LEITE NETO DE PARIS Se o teatro quiser ser de fato uma arte contemporânea, capaz de comover, perturbar e dialogar com um público afogado na televisão, no cinema, na internet e no videogame, ele terá a partir de agora de beber um pouco nas fontes de Rodrigo Garcia, autor e diretor de origem argentina que vive na Espanha desde os anos 80. Garcia, 38, é a mais nova coqueluche da crítica européia. O seu trabalho está revitalizando a experiência teatral. Garcia tira todo ranço museológico e beletrista dos palcos, inviabiliza a idéia reacionária de encaixar o teatro na indústria de entretenimento e também rompe com a vacuidade em que desaguaram as tentativas pós-modernas. Ele é a prova de que, também no teatro, o pós-modernismo acabou. Em "After Sun" ("Depois do Sol"), exibida recentemente com grande sucesso em Paris, dois ótimos atores (Patrícia Lamas e Juan Loriente), sem papéis definidos, contracenam numa série de quadros que mexem com todos os sentidos, raciocínios e paixões do público: do medo mais animal à mais atual sensação de sublime. A peça é inspirada vagamente no mito grego de Faetonte, que quis conduzir o Carro do Sol e foi punido por Zeus por quase queimar a Terra. Num relance, as cenas passam do cômico ao trágico, do patético ao burlesco, do violento ao sentimental, do mito ao cotidiano. A linguagem, embalada por muita música popular e eletrônica, é sempre espontânea e não ostenta sua construção meticulosa, mesclando preocupações metafísicas a questionamentos políticos relevantes. É também um teatro bastante físico, que impõe duras e divertidas provas aos atores, exigindo deles uma exibição sem pudores e provocativa do corpo. Numa das cenas, o público é convidado a atuar numa apresentação em que deverá exibir para a platéia o seu traseiro totalmente despido. Muita gente na França participou. No final, numa das partes mais fortes do espetáculo, em que o diretor faz um ataque objetivo ao subemprego (o chamado "Mcjob") e ao conformismo, os atores fritam hambúrgueres no palco, com carnes reais, fumaça de verdade e ketchup à vontade. "Viver de maneira tão domesticada é uma forma de estar morto", diz Garcia, filho de um açougueiro argentino, na entrevista à Folha, feita no Teatro da Cidade Universitária, em Paris, onde sua companhia, "La Carniceria Teatro", apresentou "After Sun". Folha - Como você elabora seus
espetáculos? Folha - Em algumas cenas os atores passam por provas bastante duras, como aquela em que Patrícia
Lamas fixa seus sapatos com pregos sobre uma mesa e, depois, fica
tentando mover-se em vão. Por
que submeter os atores a situações
físicas difíceis? Folha - Algumas cenas constituem também provas difíceis para
o espectador, não acha? Folha - O teatro não é uma arte
muito envelhecida à nossa época? Folha - "After Sun" parece ter
uma preocupação principal: pensar
a morte, refletir sobre ela. Esse tema é por vezes tratado de maneira
grave, mas com mais frequência a
peça busca carnavalizar a nossa relação com a morte. Ao mesmo tempo, você aborda com ênfase a questão do conformismo das pessoas.
Qual a relação entre os dois temas? |
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