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CINEMA
"EM CARNE VIVA"
Recheado de cenas de sexo, filme é protagonizado por Meg Ryan
"Filmei o pior pesadelo dos estúdios", diz Jane Campion
FLORENCE COLOMBANI
DO "LE MONDE"
"Em Carne Viva", sexto longa
da neozelandesa Jane Campion
("O Piano"), que tem estréia prevista para 26 de março no Brasil, é
daqueles filmes que o público comenta, mesmo antes de ver.
Produzido pela estrela norte-americana Nicole Kidman -que
também o protagonizaria, mas
desistiu do papel-, acabou tendo
Meg Ryan como atrativo principal. A "namoradinha da América" surge, pela primeira vez em
sua carreira, em cenas de nudez e
sexo despudorado. Na entrevista
a seguir, Campion comenta esse e
outros aspectos de seu filme.
Pergunta - Como a sra. descobriu
o romance de Susanna Moore, "In
the Cut", no qual o filme se baseia?
Jane Campion - Uma amiga me
emprestou, eu o devorei sem pensar em transformá-lo num filme.
O projeto de adaptá-lo não foi
meu, mas de Nicole Kidman, que
queria que trabalhássemos juntas.
Eu me entusiasmei com a idéia.
Foi meu primeiro roteiro baseado em um livro. Abordei o trabalho com grande ingenuidade, sem
levar as dificuldades em conta. Na
leitura, tudo corre da fonte, a narradora veicula a atmosfera, o
tom... Ela transmite suas emoções
diretamente ao leitor. Com um filme, é mais complicado.
Demorei a renunciar ao uso de
narração em off e me custou
abandonar diversos personagens
secundários. O bloqueio se resolveu quando decidi me concentrar
em Frannie, a protagonista.
Pergunta - A sra. decidiu manter
o título do livro, "In the Cut"...
Campion - Sim, é uma expressão
que explica claramente do que
trata o filme: a sexualidade feminina. Frannie é professora, especialista em gíria. Tem um comportamento contido, mas se interessa pelos componentes violentos e sexuais da linguagem. No livro, há muitas expressões imaginosas para designar o sexo da
mulher. Não pude usar todas.
Pergunta - Como o papel passou
de Nicole Kidman para Meg Ryan?
Campion - Quando Nicole não
pôde fazer o filme, porque estava
ocupada com outros projetos,
pensei em Meg Ryan, que adorou
o roteiro. Ela é conhecida pelas
comédias românticas em que interpreta mulheres suaves, sorridentes, sem dimensão carnal... O
exato oposto de Frannie.
Uma atriz associada a papéis
audaciosos na representação da
sexualidade não seria crível. O
que era preciso era ver essa mulher se abandonar a um homem e
à obsessão sexual pela primeira
vez. Meu modelo era Jane Fonda,
em "Klute - O Passado Condena".
Antes daquele papel, ela só
mostrara seu lado bonzinho. Por
outro lado, dar o papel a uma atriz
de uma certa idade abria possibilidades. Frannie teve tempo para
sofrer mais, para ser mais marcada pela vida, para se sentir um
pouco mais desesperada.
Em "O Piano" e "Retrato de
uma Mulher", tratava-se de mulheres jovens descobrindo sua
sensualidade... Aqui, o motivo é o
mesmo, mas com variações, e se
trata de uma mulher madura. Isso
posto, Frannie não é virgem no
começo da história! Ela simplesmente passou por grandes decepções, nunca encontrou nas relações com os homens aquilo que
esperava. Trata-se de uma personagem que se afasta do mundo.
O encontro com Malloy (Mark
Ruffalo) a perturba: eis um homem sincero, direto. Isso atrapalha suas abordagens românticas,
ele não tem discurso sentimental,
é imprevisível. E é completamente confiante no plano físico, o que
a aterroriza e excita.
Pergunta - Essa intriga íntima foi
filmada em locação, com uma atmosfera urbana sufocante. A sra.
tinha referências em mente para
filmar Nova York?
Campion - Consultei o trabalho
de inúmeros fotógrafos. Nan Goldin era uma de minhas referências pessoais, mesmo se os amigos
que ela fotografava naquelas noitadas particulares fossem bem
mais audazes do que Frannie. Na
verdade, há algo de sombrio e trágico na intimidade daquelas pessoas, que me inspirou muito.
No plano do estilo, queria que o
filme se assemelhasse aos dos
anos 70, de Friedkin e Scorsese...
Pensei em "Taxi Driver", por
exemplo, aquele lado sombrio e
ameaçador de Nova York... mesmo que o meu filme fosse um
pouco mais romântico.
Nova York é uma cidade apaixonante, no plano cinematográfico, porque é multiforme e fundamentalmente impossível de dominar ou mesmo de conhecer. É
um tema móvel. A família de Nick
Damici, que interpreta o inspetor
Rodriguez, tinha um bar em
Hell's Kitchen, e ele conhece muito os aspectos sombrios da cidade, o que nos beneficiou. Adoramos os filmes clássicos de gângster, mas era preciso uma abordagem um pouco mais moderna
quanto à cidade, deixar Mulberry
Street de lado.
Entre o começo e o final da filmagem, a cidade mudou enormemente, porque estávamos rodando na época do 11 de Setembro. A
história de Nova York é a da luta
de milhões de pessoas para sobreviver. Há uma energia e um desespero que alimentam os filmes rodados na cidade.
Pergunta - Que lugar a sra. ocupa
no sistema de Hollywood?
Campion - Estranhamente, mesmo que meu financiamento venha de lá há algum tempo, só rodei um filme nos Estados Unidos,
esse último. Os outros se passam
na Austrália ou Nova Zelândia, ou
na Europa.
"Em Carne Viva" tem um ar
muito americano e se passa em
Nova York, mas o financiamento
é em parte francês. De modo geral, o sistema e eu temos objetivos
bem diferentes. Quero renovar
minha abordagem de filme a filme, e eles esperam de mim, a
priori, que reproduza o sucesso
de "O Piano", de alguma maneira.
Quando eu não era mais que
uma espectadora, nos anos 70,
parecia haver mais liberdade,
mais experimentação no cinema.
Tento preservar em mim esse espírito, e as exigências dos estúdios
me são indiferentes.
Talvez seja uma particularidade
de mulher cineasta, não sei, mas
meu ritmo é muito lento, não estou em uma corrida pelo poder,
não me sinto obrigada a ganhar
Oscars. Tenho uma vida, uma filha, outras coisas a fazer.
O que me dá poder com relação
aos estúdios é que muitas estrelas
querem trabalhar comigo e aceitam fazê-lo quase de graça. Creio
que eu seja bastante irritante aos
olhos deles. "Em Carne Viva" é o
pior pesadelo dos estúdios -um
filme que fala de sexo, um thriller
onde o suspense é menos importante do que a evolução psicológica dos personagens.
Tradução Paulo Migliacci
Com Reportagem Local
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