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CRÍTICA/LITERATURA
Livro acende o necessário debate em torno da censura
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A liberdade de expressão é
uma das mais importantes
conquistas democráticas da história. Todos os países do mundo
passaram a maior parte de sua
história sem desfrutar desse bem,
atualmente considerado indispensável para o convívio social
construtivo.
Os brasileiros conquistaram esse direito há muito pouco tempo.
Mesmo assim, ele ainda sofre
ameaças graves, como se percebe
em diversas iniciativas de poderes
políticos diversos com o objetivo
de restringi-lo ou mesmo eliminá-lo simplesmente.
O jornalista e professor Sérgio
Mattos acaba de lançar um livro
de extrema utilidade para a preservação dessa prerrogativa. Com
extraordinário poder de concisão,
ele traça em "Mídia Controlada"
um histórico abrangente da censura no Brasil e no mundo.
Para demonstrar como é atual e
necessário esse tipo de debate,
Mattos abre o seu trabalho com
exemplos muito recentes de tentativas de atentar contra a liberdade de expressão neste país por
parte de instrumentos de Estado.
Para não se ater ao Poder Executivo, origem das três situações
citadas, Mattos talvez devesse ter
incluído a ação de juízes, que têm
determinado apreensão de livros
e proibido a veiculação de informações sobre determinados temas em veículos jornalísticos.
Mas isso, de modo algum, diminui a importância e a abrangência
do estudo de Mattos, que analisa
diversos países, inclusive os Estados Unidos, sociedade onde a liberdade de expressão talvez esteja
mais enraizada e, mesmo assim,
como mostra o autor, ainda sofre
intimidações, como se observa
desde o 11 de Setembro de 2001.
No Brasil, apesar do artigo 220
da Constituição de 1988, formalmente continua a viger a Lei de
Imprensa (a 5.520, de 1967) do regime militar.
Embora tenha sido relegada à
irrelevância, ela sobrevive e pode
ser usada se alguém desejar fazer
assim -como o presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) no processo que moveu
contra Otavio Frias Filho, diretor
de Redação da Folha, em 1991.
Essa é uma das inúmeras demonstrações absurdas de como o
emaranhado de leis cria obstáculos para a consolidação das instituições no país. É essa rede de
conflitos e inoperância que permite a ocorrência de abusos desmedidos contra a liberdade de expressão, apesar do claro desejo
dos constitucionalistas para que
isso não acontecesse.
Mattos discute se deve haver
uma nova lei de imprensa. Cita os
que alertam para o perigo de criar
uma "indústria das indenizações"
se o anteprojeto em debate no
Congresso vier a ser aprovado
com o texto atual.
Talvez o mais recomendável seja simplesmente não haver nenhuma lei de imprensa. Que os
excessos do usufruto da liberdade
de expressão sejam punidos pela
lei penal comum, que já prevê
sanções a quem cometa calúnia,
injúria e difamação.
A experiência nacional é que a
fartura de instrumentos legais,
longe de auxiliar a sociedade, com
freqüência a prejudica. Mattos se
restringe em seu livro à ação do
Estado no cerceamento (ou tentativa de) à liberdade de expressão.
Poderia, se o quisesse, ampliar o
espectro e analisar como a criação
de oligopólios econômicos da iniciativa privada também coloca
em risco esse direito.
A convergência de meios de comunicação e a concentração setorial na economia se constituem
em poderosos instrumentos capazes de ferir aos interesses da cidadania, como se tem visto em diversos incidentes nos EUA e em
outros países.
É legítimo, porém, o objetivo do
autor de se ater apenas à relação
entre Estado e meios de comunicação. Afinal, é ele quem tem o
monopólio do poder de censura
formal e é dele que, com freqüência, emanam os principais atentados à liberdade de expressão.
O problema principal desse tema deriva do fato constatável e
bastante humano de que todos
são a favor da liberdade de expressão quando fazem o papel de
estilingue, mas se sentem tentados a impedi-la quando passam à
condição de vidraça.
Raros são os que mantêm a coerência de princípios quando se
sentem prejudicados pelo uso da
liberdade de expressão. Esses, especialmente quando chegam à
condição de governantes, são os
grandes heróis desse direito.
Felizmente, a sociedade brasileira teve a sorte e o engenho de
ter contado com pessoas capazes
desse prodígio no período em que
os alicerces da democracia foram
erguidos no fim da década de 80.
Ainda há muito a ser feito para
que todo o edifício democrático
se consolide. Manter, expandir e
garantir a liberdade de expressão
é uma das tarefas mais fundamentais para tanto.
Livros como o de Sérgio Mattos,
capazes de motivar e ampliar o
debate sobre esse tema, são instrumentos importantes para que
isso ocorra.
Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
Mídia Controlada - A História da
Censura no Brasil e no Mundo
Autor: Sérgio Mattos
Editora: Paulus
Quanto: R$ 30 (232 págs.)
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