São Paulo, segunda-feira, 02 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA/LITERATURA

Livro acende o necessário debate em torno da censura

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A liberdade de expressão é uma das mais importantes conquistas democráticas da história. Todos os países do mundo passaram a maior parte de sua história sem desfrutar desse bem, atualmente considerado indispensável para o convívio social construtivo.
Os brasileiros conquistaram esse direito há muito pouco tempo. Mesmo assim, ele ainda sofre ameaças graves, como se percebe em diversas iniciativas de poderes políticos diversos com o objetivo de restringi-lo ou mesmo eliminá-lo simplesmente.
O jornalista e professor Sérgio Mattos acaba de lançar um livro de extrema utilidade para a preservação dessa prerrogativa. Com extraordinário poder de concisão, ele traça em "Mídia Controlada" um histórico abrangente da censura no Brasil e no mundo.
Para demonstrar como é atual e necessário esse tipo de debate, Mattos abre o seu trabalho com exemplos muito recentes de tentativas de atentar contra a liberdade de expressão neste país por parte de instrumentos de Estado.
Para não se ater ao Poder Executivo, origem das três situações citadas, Mattos talvez devesse ter incluído a ação de juízes, que têm determinado apreensão de livros e proibido a veiculação de informações sobre determinados temas em veículos jornalísticos.
Mas isso, de modo algum, diminui a importância e a abrangência do estudo de Mattos, que analisa diversos países, inclusive os Estados Unidos, sociedade onde a liberdade de expressão talvez esteja mais enraizada e, mesmo assim, como mostra o autor, ainda sofre intimidações, como se observa desde o 11 de Setembro de 2001.
No Brasil, apesar do artigo 220 da Constituição de 1988, formalmente continua a viger a Lei de Imprensa (a 5.520, de 1967) do regime militar.
Embora tenha sido relegada à irrelevância, ela sobrevive e pode ser usada se alguém desejar fazer assim -como o presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) no processo que moveu contra Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, em 1991.
Essa é uma das inúmeras demonstrações absurdas de como o emaranhado de leis cria obstáculos para a consolidação das instituições no país. É essa rede de conflitos e inoperância que permite a ocorrência de abusos desmedidos contra a liberdade de expressão, apesar do claro desejo dos constitucionalistas para que isso não acontecesse.
Mattos discute se deve haver uma nova lei de imprensa. Cita os que alertam para o perigo de criar uma "indústria das indenizações" se o anteprojeto em debate no Congresso vier a ser aprovado com o texto atual.
Talvez o mais recomendável seja simplesmente não haver nenhuma lei de imprensa. Que os excessos do usufruto da liberdade de expressão sejam punidos pela lei penal comum, que já prevê sanções a quem cometa calúnia, injúria e difamação.
A experiência nacional é que a fartura de instrumentos legais, longe de auxiliar a sociedade, com freqüência a prejudica. Mattos se restringe em seu livro à ação do Estado no cerceamento (ou tentativa de) à liberdade de expressão.
Poderia, se o quisesse, ampliar o espectro e analisar como a criação de oligopólios econômicos da iniciativa privada também coloca em risco esse direito.
A convergência de meios de comunicação e a concentração setorial na economia se constituem em poderosos instrumentos capazes de ferir aos interesses da cidadania, como se tem visto em diversos incidentes nos EUA e em outros países.
É legítimo, porém, o objetivo do autor de se ater apenas à relação entre Estado e meios de comunicação. Afinal, é ele quem tem o monopólio do poder de censura formal e é dele que, com freqüência, emanam os principais atentados à liberdade de expressão.
O problema principal desse tema deriva do fato constatável e bastante humano de que todos são a favor da liberdade de expressão quando fazem o papel de estilingue, mas se sentem tentados a impedi-la quando passam à condição de vidraça.
Raros são os que mantêm a coerência de princípios quando se sentem prejudicados pelo uso da liberdade de expressão. Esses, especialmente quando chegam à condição de governantes, são os grandes heróis desse direito.
Felizmente, a sociedade brasileira teve a sorte e o engenho de ter contado com pessoas capazes desse prodígio no período em que os alicerces da democracia foram erguidos no fim da década de 80.
Ainda há muito a ser feito para que todo o edifício democrático se consolide. Manter, expandir e garantir a liberdade de expressão é uma das tarefas mais fundamentais para tanto.
Livros como o de Sérgio Mattos, capazes de motivar e ampliar o debate sobre esse tema, são instrumentos importantes para que isso ocorra.


Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

Mídia Controlada - A História da Censura no Brasil e no Mundo
   
Autor: Sérgio Mattos
Editora: Paulus
Quanto: R$ 30 (232 págs.)


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Memória: Ratto encerra meio século de aventura teatral
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.