São Paulo, terça-feira, 02 de janeiro de 2007

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Autora argentina investiga identidade mestiça da canção brasileira e do país

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O ano que terminou deu a impressão de colocar em xeque, como não havia ocorrido antes, uma das idéias fundadoras do Brasil no século 20: a da mestiçagem.
Da expressão cunhada por Cláudio Lembo, "elite branca", à discussão sobre cotas, ao debate entre o colunista da Folha Marcelo Leite e Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, sobre o racismo à brasileira, algo parecia perder-se, quebrar-se, velozmente.
O que esteve em jogo aí, para além da cor da pele e das relações entre negros e brancos no Brasil, foi certa identidade do país. Ao proporem a si mesmos uma idéia de cultura nacional, os brasileiros sempre a pensaram como "mestiça" -não só os brasileiros, mas suas idéias e produções artísticas seriam resultados de misturas. Se não é mais mestiço (nem mulato nem cordial), o que é o Brasil?
E de repente, no fim do ano, surge um simpático livro de uma autora argentina, "Estação Brasil - Conversas Com Músicos Brasileiros", cujo tema recorrente, nas entrevistas que Violeta Weinschelbaum faz com os principais cantores e compositores da MPB, é justamente esse: identidades brasileiras (logo, mestiçagens).
Não só a identidade desse país estrangeiro para a autora, o Brasil, e de sua cultura, mas a dos entrevistados se torna assunto constante em suas conversas com, entre outros, Caetano Veloso, Rita Lee, Arnaldo Antunes e Chico Buarque.
A discussão começa com Caetano, guia intelectual de Weinschelbaum, que diz ter percebido a certa altura que "a solução do tema da identidade brasileira incluía a aceitação por minha parte de uma figura "Caetano Veloso" no mundo".
Arnaldo Antunes relaciona sua reação a qualquer forma de "especialização" artística -"esse tipo de definição que o público costuma estabelecer ou exigir dos artistas aprisiona"- e a época atual, "na qual o trânsito entre os gêneros e os códigos é mais fluido", com a mestiçagem. "No Brasil, por ser um país mestiço em sua natureza cultural, é ainda mais fácil que em outros países [a fluidez], porque a convivência com a diversidade e a diferença foi reivindicada por movimentos anteriores como a antropofagia e o tropicalismo."
É nessa entrevista que surge com clareza uma idéia que pode dar um significado interessante ao conjunto das conversas. "Uma canção é a coisa mais indissociável: não é um texto cantado nem uma melodia com letra", diz Arnaldo.
A idéia também aparece, sob formas diferentes, nas conversas com Caetano e com Adriana Calcanhoto. A canção popular, tema do livro de Weinschelbaum, forma privilegiada de leitura e de relação com o Brasil, é então o exemplo máximo de mestiçagem: texto e música indissociáveis. Pode também ajudar a pensar sobre a declaração recente de Chico Buarque, feita fora desse contexto: "Como a ópera, a música lírica, foi um fenômeno do século 19, talvez a canção, tal como a conhecemos, seja um fenômeno do século 20. No Brasil, isso é nítido".


ESTAÇÃO BRASIL - CONVERSAS COM MÚSICOS BRASILEIROS    
Autora: Violeta Weinschelbaum
Editora: 34
Quanto: R$ 38 (248 págs.)


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