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Autora argentina investiga identidade mestiça da canção brasileira e do país
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
O ano que terminou deu
a impressão de colocar
em xeque, como não
havia ocorrido antes, uma das
idéias fundadoras do Brasil no
século 20: a da mestiçagem.
Da expressão cunhada por
Cláudio Lembo, "elite branca",
à discussão sobre cotas, ao debate entre o colunista da Folha
Marcelo Leite e Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede
Globo, sobre o racismo à brasileira, algo parecia perder-se,
quebrar-se, velozmente.
O que esteve em jogo aí, para
além da cor da pele e das relações entre negros e brancos no
Brasil, foi certa identidade do
país. Ao proporem a si mesmos
uma idéia de cultura nacional,
os brasileiros sempre a pensaram como "mestiça" -não só
os brasileiros, mas suas idéias e
produções artísticas seriam resultados de misturas. Se não é
mais mestiço (nem mulato
nem cordial), o que é o Brasil?
E de repente, no fim do ano,
surge um simpático livro de
uma autora argentina, "Estação Brasil - Conversas Com
Músicos Brasileiros", cujo tema recorrente, nas entrevistas
que Violeta Weinschelbaum
faz com os principais cantores
e compositores da MPB, é justamente esse: identidades brasileiras (logo, mestiçagens).
Não só a identidade desse
país estrangeiro para a autora,
o Brasil, e de sua cultura, mas a
dos entrevistados se torna assunto constante em suas conversas com, entre outros, Caetano Veloso, Rita Lee, Arnaldo
Antunes e Chico Buarque.
A discussão começa com
Caetano, guia intelectual de
Weinschelbaum, que diz ter
percebido a certa altura que "a
solução do tema da identidade
brasileira incluía a aceitação
por minha parte de uma figura
"Caetano Veloso" no mundo".
Arnaldo Antunes relaciona
sua reação a qualquer forma de
"especialização" artística -"esse tipo de definição que o público costuma estabelecer ou
exigir dos artistas aprisiona"-
e a época atual, "na qual o trânsito entre os gêneros e os códigos é mais fluido", com a mestiçagem. "No Brasil, por ser um
país mestiço em sua natureza
cultural, é ainda mais fácil que
em outros países [a fluidez],
porque a convivência com a diversidade e a diferença foi reivindicada por movimentos anteriores como a antropofagia e
o tropicalismo."
É nessa entrevista que surge
com clareza uma idéia que pode dar um significado interessante ao conjunto das conversas. "Uma canção é a coisa mais
indissociável: não é um texto
cantado nem uma melodia com
letra", diz Arnaldo.
A idéia também aparece, sob
formas diferentes, nas conversas com Caetano e com Adriana Calcanhoto. A canção popular, tema do livro de Weinschelbaum, forma privilegiada
de leitura e de relação com o
Brasil, é então o exemplo máximo de mestiçagem: texto e música indissociáveis.
Pode também ajudar a pensar sobre a declaração recente
de Chico Buarque, feita fora
desse contexto: "Como a ópera,
a música lírica, foi um fenômeno do século 19, talvez a canção, tal como a conhecemos,
seja um fenômeno do século
20. No Brasil, isso é nítido".
ESTAÇÃO BRASIL - CONVERSAS COM MÚSICOS BRASILEIROS
Autora: Violeta Weinschelbaum
Editora: 34
Quanto: R$ 38 (248 págs.)
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