São Paulo, sábado, 2 de janeiro de 1999

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Autor tem estilo ferino

especial para Folha

Gore Vidal mudou a face do romance histórico. Livros como "Lincoln", "Império", "Hollywood" e "Washington, D.C." ajudaram a dar respeitabilidade ao gênero, que hoje conta com nomes como Marguerite Yourcenar ("Memórias de Adriano"), Umberto Eco ("O Nome da Rosa") e Tom Stoppard ("Arcadia").
Também cristalizaram a imagem dos EUA como nação imperialista. Vidal não mostra apreço por presidentes como James Polk, que travou uma sanguinária guerra contra o México para abocanhar a Califórnia e a Costa Oeste, e Theodore Roosevelt, que praticou uma política intervencionista em Cuba, no Panamá e nas Filipinas.
"Fui criado como todos os americanos, acreditando que somos um país amante da paz e que, por azar, acabamos nos envolvendo nas guerras das outras nações", afirma Vidal. "Revendo "Burr', "Lincoln' e "1876'", explica, "percebi que havia algo grande no centro dessas narrativas, algo que não conseguia ver em meu próprio trabalho: que somos impulsionados para a conquista, seja por amor a Deus, seja por algum código genético peculiar".
Vidal nasceu a 3 de outubro de 1925, em West Point, e passou a infância e adolescência em Washington. Escreveu seu primeiro romance, "Williwaw" em missão no Pacífico, durante a Segunda Guerra Mundial.
Já seu segundo livro, "A Cidade e o Pilar" causou escândalo nos EUA por conta do conteúdo homossexual. O "New York Times" recusou-se a resenhá-lo, à época.
A política está no sangue da família. O avô materno, Thomas Gore, foi senador por Oklahoma. O romancista é irmão por afinidade de Jackie Kennedy e primo de Al Gore. O próprio Vidal concorreu à Câmara dos Deputados em 1960 e em 1972, perdendo nas duas ocasiões. Talvez por causa disso tenha preferido refugiar-se na costa da Itália.
Em 1995, lançou "Palimpsesto - Uma Biografia", em que descreve os primeiros 39 anos de sua vida. O livro dividiu a crítica, mas ninguém nega que é saborosa fonte de fofoca de alto nível. Entre os retratados, nem sempre sob luz favorável, estão Tennessee Williams (admirando o traseiro do então senador John Kennedy), Allen Ginsberg, Jack Kerouac (com quem Vidal teve um caso breve) e principalmente Jacqueline Bouvier Kennedy.
O autor revela um talento incomum para reunir personagens reais e fictícios e para manipular os fatos históricos. Em seus romances, cria-se uma vasta teia de microconflitos por meio da qual imaginamos penetrar nos tecidos sociais e nas relações políticas de toda uma época.
Em seus momentos mais inspirados ("Burr" e "Lincoln", por exemplo), o quadro favorece as figuras, e vice-versa; nos menos (como em "1876"), há uma tendência para o achatamento dos personagens, que surgem sem vida ou muito caricatos.
Com estilo elegante e ferino, que lembra Petrônio, e gosto para a expansão épica na fecundidade dos incidentes e caracteres, que remete a Balzac, Vidal passou mais de cinco décadas tecendo a crônica americana. Hoje, é considerado em seu país um dos maiores escritores do século. Mas o romancista prefere usar a ironia ao falar de si.
Indagado se recebera um bom conselho quando era mais jovem, Vidal responde que sim. "Meu pai me avisou para nunca namorar uma garota que chamava a mãe de mamãezinha. Por isso, namorei o irmão dela e vivi feliz desde então", jura ele. (MP)


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