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Escritor prepara "Missa para o Papa Marcello", sua última ficção
O balanço de Cony
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O gatilho mais rápido da literatura brasileira está ensaiando
mais um tiro de misericórdia em
sua própria obra. Aos 75 anos,
Carlos Heitor Cony vem esculpindo o projétil com o qual pretende
varar sua ficção.
Autor de 14 romances, de mais
de 20 livros de contos, literatura
infanto-juvenil e biografias e de
uma quantidade de crônicas cujas
letras encheriam a lagoa Rodrigo
de Freitas, morada e namorada
(para quem fez um livro), ele trabalha no romance "Missa para o
Papa Marcello".
No livro, o escritor e jornalista
(colunista da Folha), que pensou
em ser padre nos anos em que viveu num seminário, reconcilia-se
com a idéia de que "há algo entre
o ser e o não-ser". A revelação está
no 12º número dos "Cadernos de
Literatura Brasileira", do Instituto
Moreira Salles, que chega às livrarias na segunda-feira.
"É o trabalho mais completo feito sobre mim", diz Cony, em seu
escritório, no Rio. Ali no oitavo
andar do edifício São Luís, o escritor interrompeu o cotidiano de
crônicas, romances, comentários
em uma rádio e até pintura de telas abstratas para colocar na balança o balanço que fizeram dele.
Cony foi aberto. Elogiou o romance com o qual fez sua primeira despedida da ficção, "Pilatos"
(1974). Criticou "Quase Memória" (1995), com o qual voltou à
ficção depois de mais de 20 anos.
Falou até da reabertura de sua
conta bancária com o universo espiritual. Leia, a seguir, alguns extratos do balanço do escritor.
Folha - Como você já lembrou em
um texto, o poeta americano Ezra
Pound escreveu que a vida é opaca
e que dela ficam apenas cinco ou
seis pontos luminosos. Quais foram
seus momentos de brilho até aqui?
Carlos Heitor Cony - Pound dizia
que a arte era o ponto luminoso.
Você pega Homero, a "Odisséia"
e a "Ilíada", é uma xaropada. Você pega a Bíblia, é uma xaropada.
Mas, de repente, eles têm pontos
luminosos.
Da minha obra o "punto" seria
o "Pilatos", o livro que eu queria
fazer. Os outros todos foram um
aprendizado. Não tenho vergonha de dizer que muito da minha
obra é um enchimento de linguiça, embora respeite o enchimento
de linguiça.
Folha - Você só vê luz em "Pilatos"?
Cony - Alguma coisa em "O Ventre" e em "Pessach: A Travessia"
também brilha.
Folha - "Pessach" é sua obra mais
autobiográfica?
Cony - A primeira parte é. A segunda nem tanto. "Quase Memória" também tem um dado de autobiografia. Mas é um livro que
qualquer um escreveria. "Pilatos", não. Como saiu, só eu poderia ter feito. É resultado de uma
porção de quebração de cara. Fiz e
parei. Se tivesse morrido, teria sido meu último livro. Thomas
Mann diz que deveria ter morrido
após "Dr. Fausto". Dizia que viveu mais que sua obra.
Folha - Você acha que a retomada
da ficção, com "Quase Memória" é
uma espécie de "hora extra"?
Cony - Até certo ponto sim. É
uma obra depois do expediente.
Embora esteja, em simetria, fazendo romances como os que eu
escrevia antes de "Pilatos".
Eu tenho uma cenoura como
aquelas que colocam amarrada na
frente do burro e que ele nunca
consegue pegar. Assim como antes eu tinha "Pilatos" para fazer,
quando voltei à ficção passei a ter
o objetivo de escrever um livro
chamado "Missa para o Papa
Marcello". É esse livro que quero
fazer. E estou fazendo. Será meu
último romance, assim como o foi
"Pilatos".
Folha - Quanto já está feito?
Cony - Mais de cem páginas. Não
sei o quanto vou aproveitar delas.
Não sei quando ficará pronto.
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