São Paulo, sábado, 02 de fevereiro de 2002

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SÃO PAULO FASHION WEEK

Alexandre Herchcovitch desfila seres de floresta surreal e faz história com inverno 2002

Enfim, o novo

ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA

Alexandre Herchcovitch fez mais um desfile brilhante, memorável, um dos mais fortes de sua trajetória. Inverte a regra de seu jogo outra vez -o estilista gosta de se desafiar, estação após estação- e consegue incríveis imagens de passarela. E o melhor: na loja, vão virar peças usáveis e quase sempre fáceis. O desfile, superconceitual, foi o mais importante da quinta-feira na São Paulo Fashion Week, o evento que terminou ontem depois de mostrar 25 coleções para o outono-inverno 2002.
Ao som de pianos de brinquedo, de barulhos de vento soprando, num cenário de compensado cor-de-rosa, entram em cena seres lúdicos, numa atmosfera suave, ainda que levemente perversa. As modelos têm o rosto marcado por lápis (leia nesta página). A coleção é mais uma vez sobre volumes, desdobrados de modo criativo com sobreposições e tule sob as roupas, e o primeiro segmento apresenta o streetwear que é tão caro ao estilista, com um ótimo tênis-scarpin. O verde cítrico do masculino aparece aqui também, pontuando os looks, mas é na segunda parte que a cor se sobressai, no jeans jacquard que empresta o perfume decorativo à coleção. O plush marrom também vira coletinho na modelo Emanuelle Furlan e, ainda no terreno das ruas, o avental/saia de bolsos canguru com t-shirt bicolor de Isabelli Fontana é dessas peças que desafiam o olhar. A inversão de idéias da coleção aparece também na alfaiataria trabalhada com moleton.
Com paixão por formas históricas, a coleção flerta com o estilo vitoriano, nos fraques e casacos, mas vai confundindo as imagens do jeito que Herchcovitch mais gosta. O couro preto aparece no spencer de delicados botões e ainda tem solene versão em roxo, a cor que aparece também no tie-dye, estamparia até então inédita na trajetória do estilista.
Não é por menos que o look de capa verde com estampa de floresta tropical e imagens escondidas de esqueleto é o favorito de Herchcovitch. Ele é um momento histórico para a moda brasileira.
Também com um olhar sobre o passado, a marca Sommer, de Marcelo Sommer, agrada com uma continuação de seu verão. Formas históricas (na coleção batizada "De Épocas") prosseguem na mistura de um streetwear inteligente com um viés decorativo. O melhor exemplo disso é o jeans customizado com arabescos, com aplicações e tinturas envelhecidas. A coleção inaugura a parceria do estilista com a marca de brinquedos Estrela, lançando a primeira linha infantil da empresa, resultado de uma negociação que durou mais de dois anos.
Valeu a pena, e os modelos mirins emprestaram frescor ao delírio colorido do estilista, que tem de fato no universo infantil uma grande fonte de inspiração. No meio da extravaganza visual de Sommer estão peças usáveis no dia-a-dia, que mantêm a leitura fashion sempre com ironia e inteligência: os suéteres de lã com bolinhas vermelhas são hit do estilo folk/camp que o estilista adora. É "luxo rústico", como ele batiza. Com um pouco do verde do verão, o inverno é rosa e vinho.
Também é tipo fofa a Triton. A garota da marca deixa de lado a sexualidade espevitada de outras estações e vem mais meiga, acreditando no cor-de-rosa e suas variações. A inspiração também é infantil/lolita, correndo atrás da tendência -quase não dava mais tempo. Falta um pouco de sutileza, tudo parece meio reprimido, contido, mas é gostoso o flerte da marca com o espírito brechó, nas malhas, lãzinhas, pompons, laços e blusinhas. E os casacos esportivos vão ser hit.
As brincadeiras de proporções nas pantalonas com tops são contraponto aos comprimentos curtinhos.
Fause Haten faz progressos, numa coleção mais simples e, portanto, mais elegante, em preto-e-branco (os looks em laise são o melhor). As megaflores do styling lembram demais Viktor & Rolf, mas o estilo é o de Haten. A concessão à cor vai no amarelo, no bom conjunto com túnica, e nas listras fluidas. É praticamente um recomeço, e isso é bom.


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