|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Hany Abu-Assad, diretor de "Paradise Now", filme palestino que concorre ao Oscar, fala à Folha sobre as dificuldades da produção
"Filmamos com a sensação real do medo"
LUCIANA COELHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O diretor palestino Hany Abu-Assad estava no céu e no inferno
anteontem. Exultante porque seu
"Paradise Now", em cartaz no
Brasil, acabara de ser indicado ao
Oscar de filme estrangeiro. E atordoado por conta do enxame de
jornalistas atrás de um nome ao
mesmo tempo novo e responsável
por um filme tão contundente,
sobre as 48 horas derradeiras de
dois homens-bomba palestinos
prestes a atacar em Israel.
Emoções contraditórias e intensas são uma constante em tudo
que envolve "Paradise Now", um
recorte delicado e de equilíbrio
raro de um conflito complexo e
quase sempre fadado ao tratamento panfletário. Nas filmagens,
em Nablus (Cisjordânia), a interrupção do trabalho por tiroteios
era corriqueira, e, certa vez, como
contou o cineasta ao jornal britânico "Guardian", uma explosão
matou três homens onde eles haviam filmado na véspera.
As tensões afloradas não amenizaram nem para inscrever o filme
no Oscar: houve debate entre os
executivos responsáveis pela premiação para decidir se a procedência seria Palestina -um Estado que não existe politicamente,
mas que Abu-Assad queria nos
créditos- ou Autoridade Nacional Palestina, como o governo dos
territórios ocupados é oficialmente reconhecido. Venceu a segunda, já que o negócio da Academia
de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, explicaram-se eles, "não é definir países".
Abu-Assad afirma que a indicação foi inesperada, mesmo tendo
posto dias antes na estante um
Globo de Ouro, ao lado de três
prêmios do Festival de Berlim. E
promete voltar aos temas políticos ao terminar seu projeto atual,
um filme sobre "como nós, do
Terceiro Mundo, encaramos o sonho americano". Leia os principais trechos da entrevista que ele
concedeu à Folha por telefone de
Los Angeles, onde está filmando,
pouco após a indicação e em meio
a constantes interrupções.
Folha - O tema do seu filme é bastante delicado, especialmente para os americanos...
Hany Abu-Assad - Sim, mas os
americanos não são todos iguais.
Há quem goste de poder observar
as coisas por outra perspectiva.
Folha - Como você chegou a um
filme sobre homens-bomba?
Abu-Assad - Estávamos pensando em uma série de possibilidades
de thrillers, meu produtor e eu,
quando surgiu a idéia de retratar
as últimas 48 horas de alguém que
iria se matar como mártir e mostrar isso de pontos de vista diferentes. Isso foi em 1999.
Folha - Deve ter sido difícil filmar
em Nablus...
Abu-Assad -Planejávamos filmar
em dois meses e levamos mais de
quatro, pois tivemos uma série de
contratempos para filmar sob a
ocupação. Claro que isso não foi
para facilitar nossa vida, mas para
deixar o filme mais perto da realidade. Assim a equipe e o elenco
teriam a sensação real de quem vive sob o medo a vida toda.
Folha - Foi difícil levantar dinheiro para o filme?
Abu-Assad - Eu não me envolvi
muito com essa parte. Meu produtor, Bero Bayer, arrumou um
co-produtor alemão, outro francês e também um israelense. Não
recebemos dinheiro de Israel,
mas tivemos ajuda logística. Ele
[Bayer] disse que não foi fácil,
mas que também não foi especialmente difícil. As pessoas ficavam
intrigadas com a idéia, mas não se
sentiam totalmente seguras.
Folha - Como o público em geral
tem reagido ao filme?
Abu-Assad -Não dá para generalizar. Muda de lugar para lugar,
sempre tem gente que não gosta e
gente que gosta. O que eu acho
bom, porque é sinal de que [o filme] permite interpretações diversas. Mas acho que, na maior parte
dos casos, as pessoas aceitaram o
filme, gostaram de poder assistir
um filme que lhes permite ver as
coisas de outro ângulo. Acho que
elas apreciariam qualquer filme
que as levasse a pensar sob uma
perspectiva pela qual elas nunca
tinham pensado.
Folha - "Paradise Now" mostra o
lado humano de homens-bomba,
sem contudo defender suas ações.
Você foi criticado por isso?
Abu-Assad -Isso já foi feito antes
em cinema. Você acaba simpatizando com gente cujos atos você
desaprova, como em "O Poderosos Chefão" e "Família Soprano"... não que eu esteja comparando homens-bomba com os
Sopranos! Mas as pessoas, mesmo rejeitando o ato, conseguem
entender a motivação.
Folha - Nenhuma crítica?
Abu-Assad -Claro que tem gente
que vai criticar. Mas não é novo,
né? Eu não fiz algo novo.
Folha - Como você e os atores
construíram os personagens?
Abu-Assad -Eles ficaram trabalhando um tempo em uma oficina, em um campo de refugiados,
para ver como era viver naquele
lugar. Isso os ajudou. Mas foi importante que estivéssemos no lugar real em que transcorria a ação.
Folha - Você chegou a exibir o filme para uma platéia palestina?
Abu-Assad -Sim, e a maioria das
pessoas gostou. Ok, eles não são
uma entidade única. A maioria
gostou do filme como filme mesmo, pelo suspense.
Folha - Você nasceu nos territórios ocupados e depois mudou para
a Holanda. Onde você cresceu?
Abu-Assad -Nasci em Nazaré, vivi até os 19 anos ali. Fui para a Holanda estudar engenharia aeronáutica, mas me tornei cineasta lá.
Folha - Como foi essa transição?
Abu-Assad -Eu me apaixonei por
uma moça, mas ela não se apaixonou pro mim. Aí achei que se eu
virasse um cineasta ela ia se arrepender de não ter ficado comigo.
Texto Anterior: Literatura: Ciclo lembra os dez anos sem Caio Fernando Abreu Próximo Texto: Frase Índice
|