São Paulo, quinta-feira, 02 de fevereiro de 2006

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CINEMA

Hany Abu-Assad, diretor de "Paradise Now", filme palestino que concorre ao Oscar, fala à Folha sobre as dificuldades da produção

"Filmamos com a sensação real do medo"

LUCIANA COELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O diretor palestino Hany Abu-Assad estava no céu e no inferno anteontem. Exultante porque seu "Paradise Now", em cartaz no Brasil, acabara de ser indicado ao Oscar de filme estrangeiro. E atordoado por conta do enxame de jornalistas atrás de um nome ao mesmo tempo novo e responsável por um filme tão contundente, sobre as 48 horas derradeiras de dois homens-bomba palestinos prestes a atacar em Israel.
Emoções contraditórias e intensas são uma constante em tudo que envolve "Paradise Now", um recorte delicado e de equilíbrio raro de um conflito complexo e quase sempre fadado ao tratamento panfletário. Nas filmagens, em Nablus (Cisjordânia), a interrupção do trabalho por tiroteios era corriqueira, e, certa vez, como contou o cineasta ao jornal britânico "Guardian", uma explosão matou três homens onde eles haviam filmado na véspera.
As tensões afloradas não amenizaram nem para inscrever o filme no Oscar: houve debate entre os executivos responsáveis pela premiação para decidir se a procedência seria Palestina -um Estado que não existe politicamente, mas que Abu-Assad queria nos créditos- ou Autoridade Nacional Palestina, como o governo dos territórios ocupados é oficialmente reconhecido. Venceu a segunda, já que o negócio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, explicaram-se eles, "não é definir países".
Abu-Assad afirma que a indicação foi inesperada, mesmo tendo posto dias antes na estante um Globo de Ouro, ao lado de três prêmios do Festival de Berlim. E promete voltar aos temas políticos ao terminar seu projeto atual, um filme sobre "como nós, do Terceiro Mundo, encaramos o sonho americano". Leia os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Folha por telefone de Los Angeles, onde está filmando, pouco após a indicação e em meio a constantes interrupções.
 

Folha - O tema do seu filme é bastante delicado, especialmente para os americanos...
Hany Abu-Assad -
Sim, mas os americanos não são todos iguais. Há quem goste de poder observar as coisas por outra perspectiva.

Folha - Como você chegou a um filme sobre homens-bomba?
Abu-Assad -
Estávamos pensando em uma série de possibilidades de thrillers, meu produtor e eu, quando surgiu a idéia de retratar as últimas 48 horas de alguém que iria se matar como mártir e mostrar isso de pontos de vista diferentes. Isso foi em 1999.

Folha - Deve ter sido difícil filmar em Nablus...
Abu-Assad -
Planejávamos filmar em dois meses e levamos mais de quatro, pois tivemos uma série de contratempos para filmar sob a ocupação. Claro que isso não foi para facilitar nossa vida, mas para deixar o filme mais perto da realidade. Assim a equipe e o elenco teriam a sensação real de quem vive sob o medo a vida toda.

Folha - Foi difícil levantar dinheiro para o filme?
Abu-Assad -
Eu não me envolvi muito com essa parte. Meu produtor, Bero Bayer, arrumou um co-produtor alemão, outro francês e também um israelense. Não recebemos dinheiro de Israel, mas tivemos ajuda logística. Ele [Bayer] disse que não foi fácil, mas que também não foi especialmente difícil. As pessoas ficavam intrigadas com a idéia, mas não se sentiam totalmente seguras.

Folha - Como o público em geral tem reagido ao filme?
Abu-Assad -
Não dá para generalizar. Muda de lugar para lugar, sempre tem gente que não gosta e gente que gosta. O que eu acho bom, porque é sinal de que [o filme] permite interpretações diversas. Mas acho que, na maior parte dos casos, as pessoas aceitaram o filme, gostaram de poder assistir um filme que lhes permite ver as coisas de outro ângulo. Acho que elas apreciariam qualquer filme que as levasse a pensar sob uma perspectiva pela qual elas nunca tinham pensado.

Folha - "Paradise Now" mostra o lado humano de homens-bomba, sem contudo defender suas ações. Você foi criticado por isso?
Abu-Assad -
Isso já foi feito antes em cinema. Você acaba simpatizando com gente cujos atos você desaprova, como em "O Poderosos Chefão" e "Família Soprano"... não que eu esteja comparando homens-bomba com os Sopranos! Mas as pessoas, mesmo rejeitando o ato, conseguem entender a motivação.

Folha - Nenhuma crítica?
Abu-Assad -
Claro que tem gente que vai criticar. Mas não é novo, né? Eu não fiz algo novo.

Folha - Como você e os atores construíram os personagens?
Abu-Assad -
Eles ficaram trabalhando um tempo em uma oficina, em um campo de refugiados, para ver como era viver naquele lugar. Isso os ajudou. Mas foi importante que estivéssemos no lugar real em que transcorria a ação.

Folha - Você chegou a exibir o filme para uma platéia palestina?
Abu-Assad -
Sim, e a maioria das pessoas gostou. Ok, eles não são uma entidade única. A maioria gostou do filme como filme mesmo, pelo suspense.

Folha - Você nasceu nos territórios ocupados e depois mudou para a Holanda. Onde você cresceu?
Abu-Assad -
Nasci em Nazaré, vivi até os 19 anos ali. Fui para a Holanda estudar engenharia aeronáutica, mas me tornei cineasta lá.

Folha - Como foi essa transição?
Abu-Assad -
Eu me apaixonei por uma moça, mas ela não se apaixonou pro mim. Aí achei que se eu virasse um cineasta ela ia se arrepender de não ter ficado comigo.


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