São Paulo, sexta-feira, 02 de fevereiro de 2007

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Crítica/"Pro Dia Nascer Feliz"

Filme faz aproximação com a juventude e refresca a memória dos mais velhos

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Há um inequívoco sentido de urgência em "Pro Dia Nascer Feliz". Mesmo quem trabalha no ensino público ou convive com crianças e adolescentes fora da escola sairá do cinema com uma percepção sensivelmente enriquecida da equação silenciosa, mas algo criminosa, que contribui para retardar a redução da desigualdade no país.
Não há o menor ranço de filme-denúncia, embora haja um bocado de denúncia, o suficiente para provocar incômodo (e tão bom seria se também provocasse mobilização) em diversas gerações de adultos. Ninguém sobe no palanque para fazê-lo: a serena organização das informações se encarrega sozinha de apontar contrastes, equívocos e fracassos.
No início, o diretor João Jardim usa trechos de um documentário sobre jovens feito em 1962, material oficioso impregnado por um viés de distância e superioridade, em que o narrador se refere à "juventude dita transviada" como se ela habitasse outro planeta. "Pro Dia Nascer Feliz", ao contrário, empreende uma aproximação.
Extremamente cuidadoso no uso do que lhe dizem suas dezenas de personagens, Jardim costura um fluxo quase ininterrupto de depoimentos. Alunos e professores falam uns dos outros, de si mesmos, do cotidiano escolar, dos papéis que desempenham nele e do que mais lhes vem à mente.
A corrente verbal é especialmente feliz quando se distancia das reclamações para se concentrar, de modo mais confessional, no que pensam e sentem os adolescentes. "Pro Dia Nascer Feliz" refresca a memória de quem por acaso já se esqueceu de como era quando jovem.
À medida que os meninos e meninas (mais as meninas, como sempre) vão se expondo, se altera lentamente o foco: o que havia começado como um documentário sobre problemas estruturais da educação básica brasileira se transforma, paralelamente, em excursão reveladora à alma jovem do país.
A confluência entre essas duas ambições permite ir além da frieza de estatísticas horripilantes (por exemplo: 13.700 escolas brasileiras não têm banheiro; 41% dos alunos que ingressam no ensino fundamental não concluem a oitava série) para traduzir o cenário em linguagem mais humana. Para que os números se transformem em rostos, os rostos adquiram identidade e as identidades exponham diversidade, é fundamental a maneira investigativa com que a câmera percorre ambientes (uma sala com carteiras empilhadas se torna expressiva), ao mesmo tempo em que se detém, com interesse, sobre pessoas.
Como em "Janela da Alma", que Jardim co-dirigiu com Walter Carvalho, o impulso em direção ao que o mundo esconde sob as aparências e ao que cada um enxerga de particular nele resulta em um filme que parece explorar o seu pequeno recorte do universo com a curiosidade insaciável e deslumbrada de uma criança.


PRO DIA NASCER FELIZ     
Direção: João Jardim
Produção: Brasil, 2006
Quando: estréia hoje no Espaço Unibanco e Metrô Santa Cruz


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