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Crítica/"Pro Dia Nascer Feliz"
Filme faz aproximação com a juventude e refresca a memória dos mais velhos
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Há um inequívoco sentido de urgência em
"Pro Dia Nascer Feliz". Mesmo quem trabalha no
ensino público ou convive com
crianças e adolescentes fora da
escola sairá do cinema com
uma percepção sensivelmente
enriquecida da equação silenciosa, mas algo criminosa, que
contribui para retardar a redução da desigualdade no país.
Não há o menor ranço de filme-denúncia, embora haja um
bocado de denúncia, o suficiente para provocar incômodo (e
tão bom seria se também provocasse mobilização) em diversas gerações de adultos. Ninguém sobe no palanque para fazê-lo: a serena organização das
informações se encarrega sozinha de apontar contrastes,
equívocos e fracassos.
No início, o diretor João Jardim usa trechos de um documentário sobre jovens feito em
1962, material oficioso impregnado por um viés de distância e
superioridade, em que o narrador se refere à "juventude dita
transviada" como se ela habitasse outro planeta. "Pro Dia
Nascer Feliz", ao contrário,
empreende uma aproximação.
Extremamente cuidadoso no
uso do que lhe dizem suas dezenas de personagens, Jardim
costura um fluxo quase ininterrupto de depoimentos. Alunos
e professores falam uns dos outros, de si mesmos, do cotidiano escolar, dos papéis que desempenham nele e do que mais
lhes vem à mente.
A corrente verbal é especialmente feliz quando se distancia
das reclamações para se concentrar, de modo mais confessional, no que pensam e sentem
os adolescentes. "Pro Dia Nascer Feliz" refresca a memória
de quem por acaso já se esqueceu de como era quando jovem.
À medida que os meninos e
meninas (mais as meninas, como sempre) vão se expondo, se
altera lentamente o foco: o que
havia começado como um documentário sobre problemas
estruturais da educação básica
brasileira se transforma, paralelamente, em excursão reveladora à alma jovem do país.
A confluência entre essas
duas ambições permite ir além
da frieza de estatísticas horripilantes (por exemplo: 13.700 escolas brasileiras não têm banheiro; 41% dos alunos que ingressam no ensino fundamental não concluem a oitava série)
para traduzir o cenário em linguagem mais humana.
Para que os números se
transformem em rostos, os rostos adquiram identidade e as
identidades exponham diversidade, é fundamental a maneira
investigativa com que a câmera
percorre ambientes (uma sala
com carteiras empilhadas se
torna expressiva), ao mesmo
tempo em que se detém, com
interesse, sobre pessoas.
Como em "Janela da Alma",
que Jardim co-dirigiu com
Walter Carvalho, o impulso em
direção ao que o mundo esconde sob as aparências e ao que
cada um enxerga de particular
nele resulta em um filme que
parece explorar o seu pequeno
recorte do universo com a curiosidade insaciável e deslumbrada de uma criança.
PRO DIA NASCER FELIZ
Direção: João Jardim
Produção: Brasil, 2006
Quando: estréia hoje no Espaço Unibanco e Metrô Santa Cruz
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