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Livros - Crítica/"O Planeta Diário"
Antologia lembra época em que mundo era mais divertido
Livro mostra humor politicamente incorreto de Reinaldo, Hubert e Cláudio Paiva
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando o jornal "O Planeta Diário" apareceu
nas bancas do Brasil
em dezembro de 1984, a onda
do "politicamente correto" ainda não havia tomado conta da
intelectualidade do mundo ocidental e o país extravasava liberdade com a aguardada eleição de Tancredo Neves para a
Presidência da República, que
ocorreria dias depois, e o conseqüente fim do regime militar.
Esses dois fatores possibilitaram o sucesso arrebatador do
tipo de humor deliciosa e arrasadoramente debochado e irreverente que Reinaldo, Hubert e
Cláudio Paiva praticaram no
"Planeta Diário".
Em épocas mais recentes seria muito mais difícil achar graça ostensiva de brincadeiras
devastadoras que tivessem como alvo "afrodescendentes",
"portadores de necessidades
especiais" e outros grupos demográficos que passaram a ser
classificados com eufemismos
criados para evitar demonstrações de preconceito. Folhear
neste final da primeira década
do século 21 a recém-lançada
antologia de "O Planeta Diário"
dá a sensação nítida de que o
mundo ficou muito menos divertido por causa da moda do
politicamente correto.
Censura "correta"
Foi durante a década de 90
que se disseminou o hábito de
censurar formal ou informalmente qualquer brincadeira ou
palavra que pudesse ser interpretada por alguém como ofensiva a minorias étnicas, de gênero ou de outra espécie.
Começou nos EUA, onde diversos acadêmicos argumentaram que a linguagem determina o comportamento e o pensamento das pessoas e que, para
evitar a reprodução de estereótipos negativos que pudessem
redundar em desvantagens ou
desconforto para alguns grupos
de pessoas, o ideal seria torná-la a mais neutra possível.
Assim, foram sumindo do vocabulário (pelo menos da imprensa e da academia) termos
como "deficiente físico", "Maria vai com as outras", "preto",
"aidético", "aleijado". O governo brasileiro chegou a publicar,
em 2004, uma cartilha com palavras e expressões censuráveis, que deveriam ser evitadas
ao menos no serviço público.
Qual seria hoje a reação social e jurídica a manchetes como "Candidatos epiléticos se
debatem na TV", "Candidatos
gays dão tudo na reta final",
"Nelson Ned é o novo Menudo", "Wilza Carla explode na
Terça-Feira Gorda", "Polícia
ouve depoimento das testemunhas de Jeová", "Israel faz
atentado com rabinos-bomba"
e outras jóias planetárias?
Christie Davies, da Universidade de Reading (Reino Unido), é um dos autores contemporâneos mais destacados na
análise da relação entre humor
e moralidade. Ele tem exposto
sua preocupação com os efeitos
potencialmente deletérios para
a convivência humana resultante da intolerância em relação a gracejos que alguns possam considerar insultuosos.
Davies disse recentemente
que muitos ambientes de trabalho nos EUA, em especial
universidades e outros centros
de estudo acadêmico, lembram-no do que ele via nos países da antiga Cortina de Ferro,
em que as pessoas receavam fazer algum tipo de pilhéria que
pudesse desagradar algum
agente do Estado comunista.
O episódio do cartum do profeta Maomé publicado pelo jornal dinamarquês Jyland-Posten em 2005, que desencadeou
uma onda de protestos violentos de muçulmanos pelo mundo, é um exemplo extremo do
que pode resultar da intransigência com a graça.
O humor é em geral inofensivo e quase sempre liberador. "O
Planeta Diário" foi um marco
importante da vida nacional
quando era possível rir de quase tudo às claras. Durante o regime militar, as piadas circulavam clandestinamente e ajudavam na resistência à opressão,
como ocorreu incontáveis vezes na história da humanidade.
A retrospectiva que a Desiderata põe à disposição do público
é um estímulo à reflexão a respeito daqueles tempos, mas
também dos dias atuais e de como se pode empobrecer espiritualmente quando se atenta
contra o direito de brincar.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em comunicação pela USP e diretor de relações institucionais da Patri Políticas
Públicas.
O PLANETA DIÁRIO
Autores: Cláudio Paiva, Hubert Aranha e Reinaldo Figueiredo
Editora: Desiderata
Quanto: R$ 50, em média (348 págs.)
Avaliação: bom
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