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DRAUZIO VARELLA
O taxista
Em 40 minutos, ele resolveu os problemas da educação, da saúde, da desigualdade social
NUNCA VI um homem tão
cheio de certezas.
Minha desventura começou ao cometer a imprudência de
contradizê-lo. Havia entrado no táxi
sem vontade de conversar, massacrado por um vôo noturno num desses aviões com poltronas projetadas
sem levar em conta que um ser humano possa vir a ultrapassar 1,30 m
de altura.
Viemos em silêncio até cair na via
Dutra e o locutor do rádio noticiar
mais um desses assaltos aos cofres
públicos, rotineiros na vida do país:
- Políticos! Cambada de corja, esbravejou o taxista.
- Há gente honesta em qualquer
profissão, caí na besteira de dizer.
- Se o senhor é um deles, vai me
desculpar, mas são todos, sem exceção. Quando se candidatam não precisam de dinheiro para a campanha?
Onde vão buscar? No caixa dois dos
empresários; dinheiro sujo, surrupiado do governo. Depois de eleitos,
devolvem o que sobrou? O senhor já
viu algum deles doar sobra de campanha para alguma instituição de
caridade?
Decidido a encurtar o assunto,
respondi que não conhecia os meandros eleitorais, mas ele insistiu:
- O senhor acha que um deputado, um senador, ganha bem?
Nem esperou resposta.
- Deveriam ganhar R$ 50 mil por
mês; não tem problema, o país até
pode pagar. Agora, se foi pego roubando: crime hediondo. No mínimo,
dez anos de cadeia em regime fechado, sem essa pouca vergonha de visita íntima.
Emendou com uma enxurrada de
impropérios contra os ladrões de todas as categorias. Indivíduos desprezíveis que tiram a tranqüilidade
da população obrigada a gradear as
casas para se proteger, mesmo nos
bairros mais humildes. "Está certo
trancar o cidadão de boa índole e
deixar o vagabundo em liberdade?"
A solução?
- Simples: dar carta branca aos
homens da lei. Atirou em policial,
morreu. Foi para a cadeia, vai trabalhar 12 horas por dia com uma bola
de ferro no pé para não fugir. Quero
ver se depois de um dia no batente
pesado vão ter disposição para falar
no celular.
Fez a ressalva, no entanto, de que
não trabalhariam como escravos
(deixou claro ser contra a escravidão), ganhariam para sustentar os
filhos, caso os tivessem, ou para recomeçar a vida em liberdade.
Para coibir a marginalidade, a partir da segunda prisão, as penas seriam progressivas. Para os reincidentes contumazes, prisão perpétua, já que os defensores dos direitos
humanos não aceitariam a punição
por ele considerada ideal.
Dinheiro não faltaria para construir quantas cadeias fossem necessárias nem para aplicar em programas sociais, se a roubalheira acabasse, se o Banco Central reduzisse os
juros para que os espíritos empreendedores criassem mais empregos, e
se todos recolhessem os impostos
devidos.
- Você paga os seus, perguntei.
- Não, mas pagaria com prazer se
o governo fizesse a parte dele. Meus
filhos estudam em escola particular,
pago convênio médico, o segurança
da minha rua e um plano de aposentadoria para não acabar na miséria.
Recebo o que em troca?
A conversa foi por esse caminho.
Em 40 minutos, meu interlocutor
resolveu os problemas da educação,
da saúde, da desigualdade social, da
poluição e até do trânsito de São
Paulo:
- É só recolher os veículos velhos
que quebram nas vias expressas e
proibir estacionamento nas ruas.
Deixar o carro parado o dia inteiro
atravancando a passagem. A cidade
é dele? Não tem garagem nem dinheiro para o estacionamento e
quer ter carro?
Quando chegamos à esquina de
casa, interrompi o monólogo:
- Já que você tem solução para
todos os problemas nacionais, porque não se candidata a deputado?
- O senhor deve estar pensando
que sou perfeito, que nunca faço coisa errada?
- E faz?
Seu rosto ficou sério:
- Sou casado e tenho outra há cinco anos.
- E consegue administrar as
duas?
Ficou mais sério ainda:
- O homem que tem duas mulheres é obrigado a virar artista.
- E se sua esposa descobrir?
- Não confirmo nem sob tortura.
Nego até a morte.
- Como os políticos acusados de
roubo?
Ele olhou em minha direção, reflexivo:
- Agora, o senhor está querendo
me confundir.
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