São Paulo, terça-feira, 02 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Peso do Metallica te deixa leve

PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O heavy metal (e suas variações, death metal, speed metal etc.) consolida-se nos anos 80, mas suas raízes estão nos 70, quando Led Zeppelin e Black Sabbath dão ao rock'n'roll uma nova dimensão, em termos de peso e profundidade.
O interesse por magia negra de Jimmy Page e a paranoia do Sabbath, que Ozzy eternizou, detonaram no imaginário da garotada uma série de associações que, por sua vez, dão à loucura dos grandes centros urbanos e sua intrínseca violência uma espécie de sentido, tradução e exorcismo. É sob esta ótica que se pode compreender com mais clareza o tipo de ritual que acontece num show do Metallica.
Pode-se ir mais longe, ao delta do Mississipi, e assimilar a revolta dos escravos, a dor do blues e a música como redenção. Transpondo essa revolta para os dias de hoje, vemos a evolução desse gênero desdobrar-se em todo tipo de catarse, seja a do "white trash" americano contra o sistema ou a do garoto rebelde submetido à tirania (ou descaso, como em "Jeremy", do Pearl Jam) de pais e professores.
Sob o manto de suas camisetas negras, todos comungam coletivamente, em estádios nas metrópoles de todo o mundo, sua ira e inconformismo, cuspindo o lixo de volta, como dizia Renato Russo, em alto (muito alto) e bom som.
"Kill 'Em All" e "Seek & Destroy" são alguns títulos de canções que exemplificam bem o que estou querendo dizer. A tradução da violência dos dias de hoje, a pressão do sucesso, a opressão dos padrões estéticos apolíneos, tudo isso é questionado através da observação e da assimilação da morte, segundo Arthur Schopenhauer, responsável por toda a filosofia.
Diante da aceitação da finitude das coisas, adquirimos mais elementos para enfrentar o peso do dia a dia.
Não por acaso este novo trabalho da banda se chama "Death Magnetic". Trabalhando com o fogo dos infernos (inacreditáveis lança-chamas ao lado das colunas de som, que pareciam querer incinerar a lua cheia que iluminava o Morumbi), explosões de fogos de artifício e muita pólvora, o Metallica oferece como ninguém o maior espetáculo do metal dos dias de hoje. Impressionante.
A espinha dorsal (e membro fundador, junto com o guitarrista e vocalista James Hetfield) é o baterista Lars Ulrich. Pequeno/grande Napoleão da bateria, ele estupra nossos ouvidos a cada patada em seu bumbo. Que, em inglês, se chama "kick" (chute), numa tradução bem mais acurada do que acontece ali. Posicionado bem em frente à coluna de som, o absurdo de volume é uma verdadeira porrada, causando um perceptível deslocamento de ar e das entranhas. A banda é de uma precisão irritante, uma máquina, um exército de dar inveja aos 300 de Esparta. Não é à toa que Tânatos, o deus da morte, tem o coração de ferro e as entranhas de metal. Somos massacrados pelos decibéis, pelos riffs marciais, e pela performance enérgica do Metallica, sem piedade até o final do show, com os "pop hits" (ou quase) "Nothing Else Matters" e "Enter Sandman".
Por incrível que pareça, saí de lá mais leve. E convertido. Kill "Em All!!!

PAULO RICARDO é cantor e compositor



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