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ANÁLISE
Indústria lucra com as "edições de autor"
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
Não deixa de ser irônico que
Hollywood, desde os anos 20
a inimiga número um do controle
dos diretores sobre o resultado final dos filmes, hoje se dedique a
industrializar, precisamente, as
"edições de autor".
Para o cinéfilo é uma vantagem
proporcionada basicamente pelas
novas tecnologias digitais. A possibilidade de recuperar velhos filmes, restaurando partes danificadas inclusive a partir de cópias, e
criar novas matrizes digitais, aliada ao sucesso do DVD (que se fixou como um formato para colecionadores, o que nunca chegou a
ocorrer com o home video), tem
recolocado em circulação versões
que, em outros tempos, não seria
possível nem mesmo imaginar.
O exemplo mais ilustre é provavelmente o de "A Marca da Maldade" (1958), de Orson Welles. Na
ocasião, o diretor enviou um longo memorando à Universal, pedindo alterações na versão do filme (sobre a qual Welles não tinha
controle). Esse memorando foi a
base da recente remontagem, que
agora tende a se consolidar como
versão definitiva.
Charlton Heston, responsável
por Welles ter dirigido esse filme,
também financiou a recuperação
de "Major Dundee" (1965), seguindo as indicações de seu diretor, Sam Peckinpah. Outro mecenas desse tipo de operação tem sido Martin Scorsese. O trabalho é
mais fácil quando o diretor está
vivo, caso de William Friedkin
com seu "O Exorcista".
De certa forma, o fenômeno demonstra duas coisas. A primeira é
que Hollywood tem uma capacidade enorme de ganhar dinheiro
com qualquer coisa, inclusive
"autores", isto é, a classe de gente
que mais combateu desde que Irving Thalberg, nos anos 20, retalhou "Ouro e Maldição", de Erich
von Stroheim, reduzindo-o de sete para duas horas.
A segunda é, justamente, a força
do "autor". Todo mundo conhece
as histórias de John Ford. Ele dizia
que montava o filme na câmera.
Isto é, filmava apenas aquilo que
precisava, sem fazer planos "de
cobertura" (ângulos sobressalentes, para uso eventual na montagem), a fim de que o produtor não
dispusesse de opções.
Mas nem todo mundo tinha a
força de John Ford junto aos estúdios, e a maior parte dos cineastas
era forçada a aceitar o corte final
do estúdio. O próprio Orson Welles morreu lamentando as navalhadas da RKO em seu "Soberba"
(1942).
Hoje, ao menos alguns desses
filmes desfigurados pelos estúdios começam a circular novamente, num momento em que a
qualidade fotográfica original pode não raro ser reencontrada, e o
som, remasterizado. É atrás dessas versões, e não das originais,
controladas pelos estúdios, que
vão os usuários de DVD. Se o ganho das produtoras tende a ser
grande, não será menor o lucro da
cultura cinematográfica com essa
história.
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