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ARTES PLÁSTICAS
Crise política e crítica ao atual governo Bush dominam a exposição nova-iorquina, que tem abertura hoje
Bienal do Whitney Museum aponta armas para os EUA
ERIKA SALLUM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM NOVA YORK
Num canto de uma sala, a pintura em preto-e-branco conclama:
"Stop Bush". O presidente americano surge também em outra tela,
como que decapitado, na qual sua
cabeça parece rolar em direção ao
chão. Ao lado, uma retalhada
bandeira dos Estados Unidos enfeita a parede -cortaram-lhe as
estrelas e só sobraram as listas
brancas e vermelhas. Emoldurado, o obituário de um jornal fictício relata a morte de Bill Clinton.
A Guerra do Iraque, a crise política e a crítica ao governo norte-americano dão o tom à 73ª Bienal
de Arte do Whitney Museum,
aberta hoje em Nova York. Entre
telas, instalações, fotografias e vídeos de 101 artistas e grupos participantes, a insatisfação com a
atual situação do planeta permeia
boa parte do evento, considerado
um dos grandes acontecimentos
de arte contemporânea do país.
"Vivemos um momento de crise, em que nossos valores estão
sendo questionados a todo instante. A arte, com seu papel transformador, logicamente reflete isso", diz o francês Philippe Vergne,
um dos curadores da bienal. Com
a inglesa Chrissie Iles, ele rodou os
Estados Unidos e alguns países da
Europa para selecionar o que de
mais interessante está sendo feito
nas artes visuais. "Não estávamos
atrás de obras com temática política, mas percebemos que todos
os artistas que visitamos se mostravam de alguma forma preocupados com isso. Raiva, melancolia
e desapontamento aparecem no
trabalho de quase todos eles."
Criada em 1932 para incentivar
a então pouco valorizada arte
norte-americana, a bienal traz pela primeira vez em sua história
um título pré-estabelecido: "Day
for Night" (dia pela noite), inspirado no metalingüístico filme "A
Noite Americana", de François
Truffaut. Assim como na obra do
diretor francês, o evento pretende
fazer uma discussão sobre si mesmo, sobre realidade e ilusão, luz e
sombra, verdade e mentira. "O filme foi feito em uma época em que
se questionava o próprio cinema e
a arte. É o que desejamos agora
também. Estamos em crise, sim,
mas esse dado não é ruim. Podemos evoluir muito diante disso",
avalia o curador francês.
Brincando com essa espécie de
jogo de espelhos, em que não se
sabe ao certo o que é fato ou farsa,
vários participantes criaram nomes fictícios, como Reena Spaulings. A artista não existe: é apenas
um pseudônimo inventado por
Emily Sundblad e John Kelsey.
Até mesmo os curadores deram
vida a um terceiro companheiro,
Toni Burlap, presente inclusive
nos créditos do evento. "Não se
trata de disfarce, mas de camuflagem. A arte está tão sufocada pelo
mercado que tudo tem de ter um
rótulo", conta. "Uma outra identidade possibilita criar com mais
liberdade, sem a preocupação de
ser tachado de nada específico."
Nessa linha, um dos vídeos mais
divertidos é o do italiano Francesco Vezzoli, "Trailer do remake do
"Calígula" de Gore Vidal". Estrelado por Benicio Del Toro, Courtney Love e Milla Jovovich, é um
trailer perfeito, com edição e narração típicas do cinemão americano. Gore Vidal aparece dizendo: "Neste mês, num cinema perto de você". Tudo de mentirinha...
Uma mostra dentro da bienal,
criada pelo grupo Wrong Gallery,
reúne obras de conhecidos foras-da-lei. Estão lá imagens dos terroristas do 11 de Setembro, uma tela
reproduzindo uma cadeira elétrica, outra com Saddam Hussein e
uma terceira com... George Bush.
"Não queremos impor o que é
certo ou errado, apenas apontar
caminhos. Nem temos a pretensão de mudar tudo de uma hora
para outra", diz Vergne. "Se pelo
menos modificarmos o ponto de
vista de um só visitante, já está ótimo. De passo em passo, a arte vai
conseguindo transformar o mundo para melhor."
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