São Paulo, quinta-feira, 02 de março de 2006

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ARTES PLÁSTICAS

Crise política e crítica ao atual governo Bush dominam a exposição nova-iorquina, que tem abertura hoje

Bienal do Whitney Museum aponta armas para os EUA

ERIKA SALLUM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM NOVA YORK


Num canto de uma sala, a pintura em preto-e-branco conclama: "Stop Bush". O presidente americano surge também em outra tela, como que decapitado, na qual sua cabeça parece rolar em direção ao chão. Ao lado, uma retalhada bandeira dos Estados Unidos enfeita a parede -cortaram-lhe as estrelas e só sobraram as listas brancas e vermelhas. Emoldurado, o obituário de um jornal fictício relata a morte de Bill Clinton.
A Guerra do Iraque, a crise política e a crítica ao governo norte-americano dão o tom à 73ª Bienal de Arte do Whitney Museum, aberta hoje em Nova York. Entre telas, instalações, fotografias e vídeos de 101 artistas e grupos participantes, a insatisfação com a atual situação do planeta permeia boa parte do evento, considerado um dos grandes acontecimentos de arte contemporânea do país.
"Vivemos um momento de crise, em que nossos valores estão sendo questionados a todo instante. A arte, com seu papel transformador, logicamente reflete isso", diz o francês Philippe Vergne, um dos curadores da bienal. Com a inglesa Chrissie Iles, ele rodou os Estados Unidos e alguns países da Europa para selecionar o que de mais interessante está sendo feito nas artes visuais. "Não estávamos atrás de obras com temática política, mas percebemos que todos os artistas que visitamos se mostravam de alguma forma preocupados com isso. Raiva, melancolia e desapontamento aparecem no trabalho de quase todos eles."
Criada em 1932 para incentivar a então pouco valorizada arte norte-americana, a bienal traz pela primeira vez em sua história um título pré-estabelecido: "Day for Night" (dia pela noite), inspirado no metalingüístico filme "A Noite Americana", de François Truffaut. Assim como na obra do diretor francês, o evento pretende fazer uma discussão sobre si mesmo, sobre realidade e ilusão, luz e sombra, verdade e mentira. "O filme foi feito em uma época em que se questionava o próprio cinema e a arte. É o que desejamos agora também. Estamos em crise, sim, mas esse dado não é ruim. Podemos evoluir muito diante disso", avalia o curador francês.
Brincando com essa espécie de jogo de espelhos, em que não se sabe ao certo o que é fato ou farsa, vários participantes criaram nomes fictícios, como Reena Spaulings. A artista não existe: é apenas um pseudônimo inventado por Emily Sundblad e John Kelsey. Até mesmo os curadores deram vida a um terceiro companheiro, Toni Burlap, presente inclusive nos créditos do evento. "Não se trata de disfarce, mas de camuflagem. A arte está tão sufocada pelo mercado que tudo tem de ter um rótulo", conta. "Uma outra identidade possibilita criar com mais liberdade, sem a preocupação de ser tachado de nada específico."
Nessa linha, um dos vídeos mais divertidos é o do italiano Francesco Vezzoli, "Trailer do remake do "Calígula" de Gore Vidal". Estrelado por Benicio Del Toro, Courtney Love e Milla Jovovich, é um trailer perfeito, com edição e narração típicas do cinemão americano. Gore Vidal aparece dizendo: "Neste mês, num cinema perto de você". Tudo de mentirinha...
Uma mostra dentro da bienal, criada pelo grupo Wrong Gallery, reúne obras de conhecidos foras-da-lei. Estão lá imagens dos terroristas do 11 de Setembro, uma tela reproduzindo uma cadeira elétrica, outra com Saddam Hussein e uma terceira com... George Bush.
"Não queremos impor o que é certo ou errado, apenas apontar caminhos. Nem temos a pretensão de mudar tudo de uma hora para outra", diz Vergne. "Se pelo menos modificarmos o ponto de vista de um só visitante, já está ótimo. De passo em passo, a arte vai conseguindo transformar o mundo para melhor."


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