São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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Dylan busca a energia no passado

Recebido com reverência pelo público mexicano, músico retoma "Highway 61 Revisited" e "Like a Rolling Stone'

Platéia do show que abriu a turnê latino-americana de "Modern Times" reuniu de adolescentes ripongas a casais na faixa dos 50 anos

Fernando Aceves/Efe
Bob Dylan e banda em show na Cidade do México, na última terça-feira


THIAGO NEY
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

Já passa das quatro décadas a carreira musical de Bob Dylan. Dissecada à sua essência, essa trajetória pode ser sintetizada como a busca pelas fontes mais puras da música norte-americana. Nome maior do folk, em sua atual turnê Dylan vai atrás das raízes do rock e do blues.
Na última terça-feira, Bob Dylan, 66, fez na Cidade do México o primeiro da série latino-americana de shows, que passa por São Paulo (quarta e quinta, dias 5 e 6/3) e pelo Rio de Janeiro (8/3).
O apego tradicionalista de Dylan é escancarado assim que ele e banda sobem ao palco -o cantor veste paletó e calça pretos, sapato bicolor (vinho e preto) e chapéu branco (lembra velhos cantores country); enquanto os cinco músicos que o acompanham trajam ternos cinza. A cenografia inexiste; a iluminação é básica.
Bob Dylan não precisa de excessos de produção para atrair as 9.590 pessoas que lotam o Auditório Nacional, imponente edifício inaugurado em 1952 e com uma acústica inimaginável para os padrões brasileiros.
(E, se no Via Funchal, em São Paulo, os ingressos chegam a custar R$ 900, no auditório mexicano o preço para os melhores lugares era R$ 280.)
A última visita do autor de "The Times They Are A-Changin" ao México aconteceu 17 anos atrás (ao Brasil, Dylan já veio três vezes; a mais recente, em 1998); talvez por isso, o público no Auditório Nacional é variado: de adolescentes ripongas a casais cinqüentões. Gente que é fã do cantor há muito tempo, como Victor Lerma, 58, que já assistiu a vários shows de Dylan -o primeiro, em Los Angeles, "em 1968 ou 1969". "Ele é um grande músico, mas me impressiona mais pelas letras. É um profundo conhecedor da música tradicional americana."

Blues e rock'n'roll
Não é de hoje que Dylan é conhecido por alterar o andamento de suas canções nas apresentações ao vivo.
Se Woody Guthrie (1912-67) é a principal influência da folk music nos discos de estúdio, no show mexicano faixas antigas como "Blowin" in the Wind", "Highway 61 Revisited" e "It Ain't Me, Babe" remetem a Little Richard e aos primórdios do blues-rock americano. Rock dos anos 50 e blues também dão o tom de músicas mais novas do cantor -das 17 músicas do show, nove foram compostas de 2000 para cá; oito, nas décadas de 60 e 70.
As reinterpretações heterodoxas e as constantes mudanças de músicas tocadas show a show são outros ingredientes da mítica que cerca Bob Dylan.
"Ele pode fazer o melhor show do mundo, como pode fazer o pior. Com Dylan não há o que esperar", disse Oscar Moreno, 29, acompanhado da namorada, Gabriela Reis, 23.
Às 20h45 (15 minutos de atraso), cantor e banda são recebidos com entusiasmo no auditório. Dylan empunha a guitarra e emenda três canções antigas: "Rainy Day Women #12 & 35", "It Ain't Me, Babe" e "Watching the River Flow". O clima é de absoluta reverência.
Dylan, então, deixa a guitarra e vai ao teclado, onde fica até o término da apresentação.
De libelo pacifista da época da Guerra do Vietnã (1959-75), "Masters of War", de 1963, é transportada para 2008 com curiosa dramaticidade.
Os discos "Love and Theft" (2001) e "Modern Times" (2006) fornecem combustível para o show, mas são as faixas clássicas que emprestam alguma energia à apresentação.
A voz de Dylan, que nunca foi muito técnica, está bem rouca, e em vários momentos é apagada por bateria e teclado. Não há interação com o público; no bis, Dylan apresenta a banda.
Em uma seqüência do show, Dylan toca músicas mais novas, e o ritmo é arrastado. O público mostra animação com "Highway 61 Revisited" (e aí já passou mais de uma hora de apresentação). Antes do bis, "Like a Rolling Stone" faz os mexicanos levantarem das cadeiras.
Ao final de quase duas horas, a impressão é de que, por mais que tente se recriar, Bob Dylan está acomodado, sentado em seu catálogo de clássicos.


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