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Crítica/"Monika e o Desejo"
Bergman capta a onipotência juvenil
Na pele de personagem inquieta e contraditória, Harriet Andersson tem atuação antológica em "Monika e o Desejo'
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Em Bergman, dos anos
50 em particular, a juventude tudo promete.
Não são apenas os corpos que
exultam pelo simples fato de
existir; também os olhares, os
gestos dão conta de um devir
em que tudo parece próximo e
possível. Do outro lado, estão
os velhos, com os corpos pesados e os rostos marcados.
Não parecem dois momentos
da vida; parecem dois continentes, duas culturas, dois planetas. O que os aproxima? Em
"Monika e o Desejo", aproxima-os o espelho. Aquele, na
rua, em que o senhor se olha
sem grande alegria é o mesmo
em que Monika, aliás, Harriet
Andersson, contempla seus encantos, e o mesmo em que
Harry se verá, no final, num
quase delirante encontro de
eras (ele ainda jovem, mas já se
vendo idoso e carregando o filho bebê).
Bergman fará também seus
"filmes de velho", "Morangos
Silvestres" à frente. Mas "Monika" é o filme da juventude. De
Harry e Monika dando uma banana para a vida real e subindo
em um barco para reinventar a
vida e o mundo. Lá estão os
dois, sozinhos, como Robinson
Crusoé e Sexta-Feira.
Tudo é inédito, nada parece
impossível, tudo está ao alcance de seu desejo. Existe uma
onipotência da juventude que
Bergman captou talvez melhor
do que ninguém. E, em "Monika e o Desejo", talvez melhor do
que nunca.
Mas o diretor sueco é um
pessimista, e o preço a ser pago
pela vida não é pequeno. É disso que tratará, em suma, este
filme. Para tanto, criará na pessoa de Monika uma personagem inesquecível. Ela é viva, inquieta, contraditória, animal,
carnal. Ela é plena, e dessa plenitude Harriet Andersson dá
conta com tanta desenvoltura
que não é de estranhar que Ingmar Bergman tenha feito dela
sua musa quase ao primeiro
olhar (diz Bergman que não só
ele, toda a equipe do filme se
apaixonou por ela).
Temos aí uma das mais fortes
interpretações femininas de todos os tempos, marcada pelo
primeiro plano, quase ao final,
em que Monika, desafiadora,
olha não para a câmera, mas para cada um de nós, pessoalmente, opondo ao nosso juízo sobre
ela e aos nossos preconceitos a
evidência de seu corpo.
Andersson se afirma como
talvez a mais notável de todas
as admiráveis atrizes bergmanianas. "Monika" é possivelmente a obra-prima desse momento de Bergman. É o melhor momento do diretor sueco,
com filmes tão fortes como
"Noites de Circo", "Morangos
Silvestres", "Sorrisos de uma
Noite de Amor" etc. Em suma,
o que se pode querer mais? Ah,
sim, uma edição decente. Isso a
Versátil garante, embora num
disco sem extras significativos.
MONIKA E O DESEJO
Diretor: Ingmar Bergman
Distribuidora: Versátil
Quanto: R$ 37,50
Avaliação: ótimo
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