São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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Crítica/"Monika e o Desejo"

Bergman capta a onipotência juvenil

Na pele de personagem inquieta e contraditória, Harriet Andersson tem atuação antológica em "Monika e o Desejo'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em Bergman, dos anos 50 em particular, a juventude tudo promete. Não são apenas os corpos que exultam pelo simples fato de existir; também os olhares, os gestos dão conta de um devir em que tudo parece próximo e possível. Do outro lado, estão os velhos, com os corpos pesados e os rostos marcados.
Não parecem dois momentos da vida; parecem dois continentes, duas culturas, dois planetas. O que os aproxima? Em "Monika e o Desejo", aproxima-os o espelho. Aquele, na rua, em que o senhor se olha sem grande alegria é o mesmo em que Monika, aliás, Harriet Andersson, contempla seus encantos, e o mesmo em que Harry se verá, no final, num quase delirante encontro de eras (ele ainda jovem, mas já se vendo idoso e carregando o filho bebê).
Bergman fará também seus "filmes de velho", "Morangos Silvestres" à frente. Mas "Monika" é o filme da juventude. De Harry e Monika dando uma banana para a vida real e subindo em um barco para reinventar a vida e o mundo. Lá estão os dois, sozinhos, como Robinson Crusoé e Sexta-Feira.
Tudo é inédito, nada parece impossível, tudo está ao alcance de seu desejo. Existe uma onipotência da juventude que Bergman captou talvez melhor do que ninguém. E, em "Monika e o Desejo", talvez melhor do que nunca.
Mas o diretor sueco é um pessimista, e o preço a ser pago pela vida não é pequeno. É disso que tratará, em suma, este filme. Para tanto, criará na pessoa de Monika uma personagem inesquecível. Ela é viva, inquieta, contraditória, animal, carnal. Ela é plena, e dessa plenitude Harriet Andersson dá conta com tanta desenvoltura que não é de estranhar que Ingmar Bergman tenha feito dela sua musa quase ao primeiro olhar (diz Bergman que não só ele, toda a equipe do filme se apaixonou por ela).
Temos aí uma das mais fortes interpretações femininas de todos os tempos, marcada pelo primeiro plano, quase ao final, em que Monika, desafiadora, olha não para a câmera, mas para cada um de nós, pessoalmente, opondo ao nosso juízo sobre ela e aos nossos preconceitos a evidência de seu corpo.
Andersson se afirma como talvez a mais notável de todas as admiráveis atrizes bergmanianas. "Monika" é possivelmente a obra-prima desse momento de Bergman. É o melhor momento do diretor sueco, com filmes tão fortes como "Noites de Circo", "Morangos Silvestres", "Sorrisos de uma Noite de Amor" etc. Em suma, o que se pode querer mais? Ah, sim, uma edição decente. Isso a Versátil garante, embora num disco sem extras significativos.


MONIKA E O DESEJO
Diretor:
Ingmar Bergman
Distribuidora: Versátil
Quanto: R$ 37,50
Avaliação: ótimo


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