São Paulo, segunda, 2 de março de 1998

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VÍDEO LANÇAMENTOS
Clint Eastwood desmonta mitos dos EUA

MARCELO REZENDE
da Reportagem Local

Serão, ao final da coleção, 25 filmes com a marca, o estilo e o vigor do ator e cineasta norte-americano Clint Eastwood, que tem sua obra reunida em vídeo pela Warner. Por vezes ele está na direção, por outras apenas atua. O que serve de desculpa é sua presença.
Por meio de pacotes trazendo cinco filmes por vez, será possível acompanhar sua trajetória, dos policias da série "Dirty Harry" aos faroestes, passando pelas comédias em que contracenou com um gorila.
Mas o tom dos filmes escolhidos para abrir o projeto é o da virilidade: "Perseguidor Implacável" , realizado por Don Siegel, em 71, "O Destemido Senhor da Guerra" (86), "Impacto Fulminante" (83), "O Cavaleiro Solitário" (85), todos do próprio Eastwood, e "Sem Medo da Morte" (76), de James Fargo.
Vistos segundo uma ordem estritamente cronológica, os trabalhos servem a uma introdução didática. Nos mostra de que maneira Eastwood, após os bangue-bangues do diretor italiano Sergio Leone, se transforma no herói urbano com Don Siegel, ao interpretar o cínico, violento e estóico policial Dirty Harry.
Harry se cola a pele de Eastwood. Há entre eles uma troca. A personalidade do ator cabe na criação. Siegel percebe rapidamente o que tem diante de si. Serão um só. Uma espécie de ideal de homem. Alguém que parece desconfiar que a Justiça não está necessariamente próxima da moral.
E esse personagem ("durão", se reduzido a sua qualidade mínima) prossegue em suas aventuras no filme de James Fargo. É inferior ao trabalho de Siegel. Mas agora isso pouco importa. O que vale é a visão do astro por seus fãs. E Clint Eastwood já é um.
Acontece então uma estranha inversão. A proximidade de Harry e Clint provoca uma maldição ao ator. Ele, seus filmes e suas atuações são considerados fascistas, de extrema-direita, pela chamada esquerda norte-americana.
Eastwood é, não há dúvida, um amante das armas, dizem seus detratores. Se os enredos de Harry são quase esquemáticos (crime, investigação e punição com sangue e pancadaria), ainda quando muda o disfarce algo permanece.
O caubói de "Cavaleiro Solitário" e mesmo o militar em final de carreira em "O Destemido Senhor da Guerra" soavam como um elogio ao rigor de uma educação espartana.
Um erro de avaliação. Talvez não tão grosseiro quanto fosse desejável pensarmos hoje. Eastwood trata, claro, da violência. Mas seu interesse não é o da doutrinação. É fascinado pela força, nem por isso é vítima desse ideal.
Seus filmes (e aqui o argumento é sua direção) são disciplinados -e não disciplinadores.
Eastwood foi transformado em uma espécie de protótipo do macho branco dos EUA. Seu interesse é o de mergulhar nessa mesma mitologia -a desconstruindo- , expondo seus erros e acertos.
Há algo em seus filmes (o tema que ressoa) que mistura homem, construção de uma sociedade e nação de tal maneira que não podemos mais separar as partes que compõem esse todo.
Esse desejo em entender o que se passa, onde está e quem afinal é faz de Clint Eastwood um diretor raro e também uma personalidade única. A honestidade no cinema industrial que estamos acostumados a ver hoje.
Nada sobra, nada falta. Artificialismo e maneirismos estão sempre à distância. Eastwood é um produto dos EUA e do cinema criado por lá, que sempre se alimentou de mitos da história do país.
Um filme dirigido por ele, ou a cena momentaneamente brutal -ou distraidamente emocional- em que aparece, é a chance de um ajuste de contas. A ambição em descobrir quais os mitos que o cinema agora devolve, transformados, aos seus cidadãos.
Coleção: Clint Eastwood
Lançamento: em abril, pela Warner (011/820-6777)



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