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HSBC BELAS ARTES
"Freddy x Jason" está fora, "Senhor dos Anéis" até pode entrar", diz André Sturm sobre programação
Reforma mantém salas e muda conteúdo
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma vez pronto, o que vai exibir o novo HSBC Belas Artes? A
Folha fez a mesma pergunta aos
dois programadores, ao vivo para
André Sturm e por e-mail para
Fernando Meirelles, que finaliza
em Londres a produção de seu
novo filme, "O Jardineiro Fiel",
depois de concorrer a quatro Oscar por "Cidade de Deus".
A resposta foi semelhante. "Será
uma sala para quem gosta de cinema, para cinéfilos radicais, não
tanto para quem prefere pipoca e
shopping", disse Meirelles.
"Freddy x Jason" e "Velozes e Furiosos" estão fora, mas "O Senhor
dos Anéis" até poderia entrar", resume, brincando, Sturm.
Entre os seis a oito filmes em
cartaz haverá sempre um brasileiro, e as salas receberão mostras e,
uma vez por mês, o "Noitão", que
exibirá filmes da noite de sexta à
manhã de sábado. "Haverá ainda
a "Segunda Chance", para bons filmes que ficaram pouco tempo
nos multiplex", diz Sturm.
Em suas viagens, Meirelles funcionará como um embaixador
para cinematografias novas ou
desprezadas pelo circuito comercial, que serão trazidas para a sessão "Cinema do Mundo". "Haverá uma sala com projeção digital
que possibilitará a exibição de filmes que nunca chegam ao mercado pelo alto custo de tradução e
legendagem", disse Meirelles.
Tanto os cineastas quanto a
produtora e o banco estão indo
contra a corrente. Hoje, quase não
há mais cinema de rua em São
Paulo. Um dos raros que sobrevivem já é o principal concorrente
da nova empreitada: o Espaço
Unibanco, na Augusta, a quatro
quarteirões do Belas Artes, de um
banco concorrente e também ligado a um diretor, Walter Salles.
Os cinemas de shopping respondem por 90% dos endereços
de São Paulo, e suas telas exibem
na maior parte dos casos blockbusters (megassucessos) e os chamados "filmes-pipoca" (fitas de
ação voltadas para adolescente).
"Sabemos do desafio, e é isso
que torna a coisa toda mais
atraente", disse a publicitária Andrea Barata, sócia de Fernando
Meirelles na O2. "Mas acreditamos que, bem administrado, o
Belas Artes pode voltar a ter o brilho de antes." A parceria tem duração inicial de sete anos.
Aliás, foi sob a bênção da publicidade que se deu a intersecção
entre os três controladores. A O2
produziu os filmes de 450 anos de
São Paulo para o HSBC, que gostou do resultado. Daí, fez a ponte
entre capital e trabalho -no caso,
André Sturm, da Pandora Filmes,
que havia adquirido o Belas Artes
para evitar seu fechamento.
"Foi no Belas Artes que assisti
ao segundo filme de minha vida,
com sete anos", lembra Sturm, ele
próprio diretor de um longa, "Sonhos Tropicais" (2001). "Era "Meu
Tio", de Jacques Tati, de 1958." (O
primeiro, a quem interessar, foi
"Bambi", longa da Disney de 42.)
Não será sua estréia à frente da
programação de um cinema. Estudante de administração da Faculdade Getúlio Vargas, foi ele o
responsável por uma fase memorável do Cineclube da GV, nos
anos 80. De lá passou pela Sala Cinemateca, em Pinheiros.
Criou a Pandora em 1989, que
logo se especializou na distribuição de filmes de arte. Por suas
mãos chegaram ao Brasil obras
como "Não Amarás", de Kieslowski, e "Trainspotting".
A reforma
Sob comando do arquiteto Roberto Loeb e do diretor de arte
Alexandre Toro, a idéia foi tentar
resolver os problemas que por
anos incomodaram os habitués
do velho Belas Artes. Primeiro, as
salas do piso superior devem ganhar elevador (que talvez não fique pronto a tempo da abertura).
Depois, tanto o térreo quanto o
primeiro andar ganham um
lobby, cada qual com seu bar e
bonbonnière. "Antes, o espectador era obrigado a esperar seu filme na calçada, porque a entrada
era uma confusão", diz Loeb.
Os corredores estreitos e de pé-direito baixo foram ampliados,
assim como o teto das salas, antes
claustrofóbicos. As cadeiras desconfortáveis dão lugar a modelos
mais novos. Mas um detalhe continua: a cabine central, com os
monitores das seis telas à vista do
público. "Era simpático", ri Loeb.
As fases
O Belas Artes teve três fases (a
última foi a pior, depois de ser adquirido pelo grupo Alvorada, nos
anos 90, que não achou um perfil
para as salas e acabou as abandonando). A primeira vai da inauguração, no meio da década de 60,
ainda com três salas, até 1980. É o
reinado de um senhor que todo
cinéfilo aprendeu a admirar.
Seu nome era Dante Ancona
Lopes (1910-2000), e ele vinha do
Cine Coral, que fundara na rua 7
de Abril em 1957, no centro, e que,
durante oito anos, difundiu o
conceito de "cinema de arte".
Ali ele abriu com "La Dolce Vitta", de Fellini, e exibiu os primeiros longas de Michelangelo Antonioni. Convidado pela Companhia Serrador, virou programador do Belas Artes, em 1967.
Sua estratégia era guardar as salas do térreo e do primeiro andar
para filmes de maior apelo popular e reservar a sala do subsolo,
com poucos lugares, para ciclos e
mostras, freqüentemente fornecidas pela Cinemateca, cuja sociedade de amigos ele fundara.
Saiu de cena em 1980, quando o
grupo francês Gaumont comprou
o lugar e, depois de nova reforma,
inaugurou o conceito de multiplex na cidade. As três salas viraram seis, modernas para a época,
com nomes de artistas brasileiros,
como Aleijadinho e Villa-Lobos.
"Agora, desistimos dos nomes",
afirma André Sturm. "Confundiam o espectador e atrapalhavam os roteiros dos jornais e revistas." Numeradas de 1 a 6, ainda
na mesma distribuição (duas no
primeiro andar, duas no térreo e
duas no subsolo), devem abrir as
portas na última semana do mês.
"Nós fizemos trabalho semelhante de recuperação com o teatro HSBC, uma construção de
1919 em Curitiba, cidade-sede do
banco no Brasil", disse o diretor
de marketing Glen Lopes Valente.
"Se der certo agora com o cinema,
podemos repetir a ação em outros
lugares." As bilheterias dirão.
(SÉRGIO DÁVILA)
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