São Paulo, sexta-feira, 02 de abril de 2004

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CINEMA/ESTRÉIAS

"ELEFANTE"

Diretor afirma buscar autenticidade e desligamento do modelo teatral

"Meu filme é uma subversão das regras", diz Gus van Sant

FLORENCE COLOMBANI
DO "LE MONDE"

Após Michael Moore, também o diretor de "Drugstore Cowboy" se debruça sobre o massacre de alunos de um colégio de Columbine, no Colorado, por dois de seus colegas. Gus van Sant, 51, explica até que ponto o cinema precisa adotar novos códigos narrativos para encontrar a "verdade".
 

Pergunta - Alguns de seus filmes, especialmente "Gênio Indomável" e "Encontrando Forrester", abordam os jovens heróis de maneira muito clássica. Já "Elefante" rejeita a psicologia em bloco.
Gus van Sant -
"Gerry" (2002) e "Elefante" são uma tentativa de subverter a utilização habitual das técnicas cinematográficas. Desde que surgiu, o cinema emprestou sua forma narrativa do teatro. Meu desejo é me desligar do modelo teatral com a câmera.

Pergunta - Como nasceu esse desejo de experimentação?
Van Sant -
Meus filmes até "Gerry" são muito tradicionais. Talvez se possa encontrar traços de minha pesquisa atual em "Mala Noche" [sua estréia na direção, em 85]. "Garotos de Programa" (91) era mais audacioso na forma, mas se inspirava em Shakespeare, o que vem de encontro ao que eu dizia em relação ao teatro. Já "Psicose" (98) foi menos tradicional.

Pergunta - "Elefante" se inspirou em um filme epônimo do diretor inglês Alan Clark. A maneira como utilizou esse filme é comparável a seu trabalho com "Psicose"?
Van Sant -
Não, porque o filme irlandês me serviu só em dois aspectos: o título e o fato de tratar de um tema tabu. Na Inglaterra e na Irlanda, era impossível falar da violência na Irlanda do Norte, do mesmo modo que, nos EUA, a violência escolar é algo sobre o que se guarda silêncio. Os filmes que me inspiraram são "Satan's Tango", de Béla Tarr, e "Jeanne Dielman", de Chantal Akerman.

Pergunta - Por que você se afastou da narrativa tradicional?
Van Sant -
Passei a me interessar pelas coisas como são, e não por sua representação. Tenho isso em comum com o Dogma 95. O recurso sistemático do artifício conduz à uniformização. Para mim, o mistério era aquilo que já estava presente. É preciso apreender o mundo em estado bruto.

Pergunta - "Elefante" tem uma relação com o tempo específico, alicerçado no presente. Isso é parte de sua redefinição do cinema?
Van Sant -
Totalmente. O momento atual é a unidade temporal do filme. "Elefante" procura apreender algo de hoje. Para mim, a essência do cinema é permitir fazer do presente a matéria do filme. Quis explorar o que se pode apreender. Por isso escolhi para atuar no filme estudantes simples, com suas roupas e sua maneira de falar. Isso me pareceu mais preciso do que escrever respostas, procurar figurinos e contratar atores. Busco uma autenticidade.

Pergunta - Como a dimensão espacial estrutura o filme?
Van Sant -
Em qualquer filme, o tempo de trajeto entre um local e outro é cortado, por causa de códigos e cortes impostos pelo teatro que o cinema integrou. O cinema ainda obedece a uma lógica que data da Revolução Industrial, já defasada em relação à era eletrônica. Quanto mais avançarmos rumo ao eletrônico, mais os filmes terão de usar a interatividade. Não será mais possível mostrar uma história congelada.


Tradução Clara Allain


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