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CRÍTICA
"Filhos do Carnaval" combina rigor e novidade
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
"Filhos do Carnaval" chega hoje ao seu quinto episódio (HBO, às 22h) sem ter feito o barulho que merecia.
Embora a hipérbole seja sempre um risco, lá vai: trata-se de
uma das melhores obras de ficção para a TV já feitas.
A hesitação em classificar "Filhos do Carnaval" como minissérie acontece por duas razões: a
duração curtíssima (a primeira
temporada encerra-se domingo
que vem) e sua textura tão cinematográfica que, por vezes, dá a
impressão de se tratar de uma espécie de filme em capítulos.
Ao mesmo, na formulação hiperbólica lá de cima, pareceu necessário, de fato, incluir na comparação as novelas, as minisséries, as séries, os "casos especiais" etc. para destacar a força
dessa experiência conduzida,
principalmente, pelo diretor Cao
Hamburger e pela roteirista Helena Soárez.
A dupla atacou muito bem
duas frentes: ao mesmo tempo
em que a série é de um rigor técnico ainda difícil de ver no Brasil,
subverte muitas expectativas no
tratamento de seus temas.
É uma série de encomenda e de
exportação, daí o Carnaval, o Rio
de Janeiro, o samba, mas também as mazelas: contravenção,
corrupção, crime, desigualdade.
O roteiro escapa lindamente
das armadilhas que esse universo
costuma armar -a glamourização, a cumplicidade, a condescendência- e só o faz porque
acredita no poder ficcional, ou
seja, é capaz de contar uma história que se desenrola nesse universo, sem querer retratá-lo.
A comparação mais imediata é
com os mafiosos de Coppola,
mas há evidentemente muito do
Rei Lear shakesperiano na combinação.
O eixo central é a sucessão de
um bicheiro, Anésio Gebara (Jece Valadão, excelente como cafajeste outonal), cujo primogênito
e predileto (numa interpretação
corretíssima e simpática de Felipe Camargo) se mata. Sobram o
caçula Claudinho (Enrique Diaz)
e os dois bastardos, Nilo (Thogum) e Brown (Rodrigo Santos),
um branco, um mulato e um negro, numa tríade paródica do
"cadinho de raças" brasileiro (e
numa alusão clara a Macunaíma
e seus irmãos).
À medida que a história se desenrola, os três personagens vão
se revelando bem mais ambíguos
e complexos do que a quase piada racial faria supor -o branco é
menos bundão do que se imagina, a malandragem do mulato
boa-pinta esconde uma enorme
fragilidade emocional, o negro
calado é quem junta todas as
pontas.
E, claro, todas essas sutilezas e
as inflexões dependem muito do
talento desse trio central.
Está nesse olhar psicológico fino, mas implacável, que revira as
relações todas, as familiares, de
favor, de amizade, o principal fator de novidade.
Pela trama dos afetos, é possível enxergar muito mais longe do
que o esquematismo sociológico
ou que os efeitos documentais
são capazes de permitir.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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