São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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CRÍTICA

"Filhos do Carnaval" combina rigor e novidade

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

"Filhos do Carnaval" chega hoje ao seu quinto episódio (HBO, às 22h) sem ter feito o barulho que merecia.
Embora a hipérbole seja sempre um risco, lá vai: trata-se de uma das melhores obras de ficção para a TV já feitas.
A hesitação em classificar "Filhos do Carnaval" como minissérie acontece por duas razões: a duração curtíssima (a primeira temporada encerra-se domingo que vem) e sua textura tão cinematográfica que, por vezes, dá a impressão de se tratar de uma espécie de filme em capítulos.
Ao mesmo, na formulação hiperbólica lá de cima, pareceu necessário, de fato, incluir na comparação as novelas, as minisséries, as séries, os "casos especiais" etc. para destacar a força dessa experiência conduzida, principalmente, pelo diretor Cao Hamburger e pela roteirista Helena Soárez.
A dupla atacou muito bem duas frentes: ao mesmo tempo em que a série é de um rigor técnico ainda difícil de ver no Brasil, subverte muitas expectativas no tratamento de seus temas.
É uma série de encomenda e de exportação, daí o Carnaval, o Rio de Janeiro, o samba, mas também as mazelas: contravenção, corrupção, crime, desigualdade.
O roteiro escapa lindamente das armadilhas que esse universo costuma armar -a glamourização, a cumplicidade, a condescendência- e só o faz porque acredita no poder ficcional, ou seja, é capaz de contar uma história que se desenrola nesse universo, sem querer retratá-lo.
A comparação mais imediata é com os mafiosos de Coppola, mas há evidentemente muito do Rei Lear shakesperiano na combinação.
O eixo central é a sucessão de um bicheiro, Anésio Gebara (Jece Valadão, excelente como cafajeste outonal), cujo primogênito e predileto (numa interpretação corretíssima e simpática de Felipe Camargo) se mata. Sobram o caçula Claudinho (Enrique Diaz) e os dois bastardos, Nilo (Thogum) e Brown (Rodrigo Santos), um branco, um mulato e um negro, numa tríade paródica do "cadinho de raças" brasileiro (e numa alusão clara a Macunaíma e seus irmãos).
À medida que a história se desenrola, os três personagens vão se revelando bem mais ambíguos e complexos do que a quase piada racial faria supor -o branco é menos bundão do que se imagina, a malandragem do mulato boa-pinta esconde uma enorme fragilidade emocional, o negro calado é quem junta todas as pontas.
E, claro, todas essas sutilezas e as inflexões dependem muito do talento desse trio central.
Está nesse olhar psicológico fino, mas implacável, que revira as relações todas, as familiares, de favor, de amizade, o principal fator de novidade.
Pela trama dos afetos, é possível enxergar muito mais longe do que o esquematismo sociológico ou que os efeitos documentais são capazes de permitir.


@ - biabramo.tv@uol.com.br

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