|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GUILHERME WISNIK
Bank-cel-card-tv Hall
A consolidação de teatros novos começa a desfazer o ruído entre o projeto artístico e a recepção pública em SP
|
OS ÚLTIMOS shows de Caetano
Veloso no Sesc Pinheiros,
Marina Lima no Auditório
Ibirapuera e Paulinho da Viola e Arnaldo Antunes no Teatro Fecap sinalizam uma importante mudança
no padrão das apresentações musicais em São Paulo, ao menos no que
se refere ao universo da MPB e da
canção pop. Realizados em teatros
confortáveis -e inaugurados recentemente-, com escala "intimista"
(entre 400 e 1.000 lugares) e boa
acústica, parecem romper o monopólio das casas de espetáculo enormes, apinhadas de mesas e cadeiras
apertadas, canapés e burburinhos
dispersivos, ingressos caros e garçons obstruindo a visão do palco.
Antes da inauguração do Palace
(hoje Citibank Hall, ex-Directv
Hall), em meados dos anos 80, os
shows dos grandes artistas da MPB
aconteciam em espaços como o Palácio de Convenções do Anhembi,
guardando um caráter razoavelmente popular, ainda próximo ao
circuito universitários dos festivais.
Dali em diante, vigorou o modelo
"blockbuster" de espetáculo, voltado para os megashows, seguindo os
novos vetores de expansão imobiliária da cidade. Primeiro com a inauguração do Tom Brasil (1996) e do
Via Funchal (1998), na Vila Olímpia,
e, em seguida, do Credicard Hall
(1999) e do novo Tom Brasil (2003),
na Chácara Santo Antônio, um bairro afastado e com uma urbanidade
rarefeita, de ruas estreitas facilmente entupidas por carros e estacionamentos a preços extorsivos. Já no Rio de Janeiro, o Metropolitan
(1994, depois ATL Hall, Claro Hall e
Citibank Hall) foi construído dentro
de um shopping na distante Barra da
Tijuca.
Essa elitização do consumo de
música popular entre nós acompanhou um importante aumento de
profissionalismo dos artistas, cujos
shows passaram a integrar circuitos
internacionais, com grandes aparatos de luz e cenografia. Porém, é evidente que a fruição musical é apenas uma preocupação entre outras em
um estabelecimento como o Credicard Hall, que comporta 7.000 espectadores e alardeia o fato de possuir suítes exclusivas para empresários que desejem fazer do show um
"marketing de relacionamento".
Não por acaso, João Gilberto foi
vaiado na inauguração da casa, já
que insistia em se preocupar com algo tão desimportante quanto o som.
Hoje, o aparecimento e a consolidação de teatros novos começam a
desfazer o ruído criado entre projeto
artístico e recepção pública em São
Paulo, minando um modelo que pareceu único e inevitável durante
duas décadas. Significativamente,
aparece no mesmo momento em
que a importância das gravadoras
declina diante da pirataria (por camelôs ou pelo livre acesso à internet) e tanto a produção quanto o
consumo de música parecem horizontalizar-se, ramificando-se. Capilaridade, multiplicidade, que são
também os atributos maiores da vida urbana, feita de contatos imprevistos, em que a diversão (musical,
por exemplo) é parte integrante do
cotidiano das pessoas, posta em
contato criativo com outras instâncias estruturantes da cidade, como
moradia, trabalho, comércio, lazer e
transporte público.
Texto Anterior: Pesquisa britânica tem até "Harry Potter" Próximo Texto: Tom social domina cena em Curitiba Índice
|