São Paulo, segunda-feira, 02 de abril de 2007

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GUILHERME WISNIK

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A consolidação de teatros novos começa a desfazer o ruído entre o projeto artístico e a recepção pública em SP

OS ÚLTIMOS shows de Caetano Veloso no Sesc Pinheiros, Marina Lima no Auditório Ibirapuera e Paulinho da Viola e Arnaldo Antunes no Teatro Fecap sinalizam uma importante mudança no padrão das apresentações musicais em São Paulo, ao menos no que se refere ao universo da MPB e da canção pop. Realizados em teatros confortáveis -e inaugurados recentemente-, com escala "intimista" (entre 400 e 1.000 lugares) e boa acústica, parecem romper o monopólio das casas de espetáculo enormes, apinhadas de mesas e cadeiras apertadas, canapés e burburinhos dispersivos, ingressos caros e garçons obstruindo a visão do palco.
Antes da inauguração do Palace (hoje Citibank Hall, ex-Directv Hall), em meados dos anos 80, os shows dos grandes artistas da MPB aconteciam em espaços como o Palácio de Convenções do Anhembi, guardando um caráter razoavelmente popular, ainda próximo ao circuito universitários dos festivais.
Dali em diante, vigorou o modelo "blockbuster" de espetáculo, voltado para os megashows, seguindo os novos vetores de expansão imobiliária da cidade. Primeiro com a inauguração do Tom Brasil (1996) e do Via Funchal (1998), na Vila Olímpia, e, em seguida, do Credicard Hall (1999) e do novo Tom Brasil (2003), na Chácara Santo Antônio, um bairro afastado e com uma urbanidade rarefeita, de ruas estreitas facilmente entupidas por carros e estacionamentos a preços extorsivos. Já no Rio de Janeiro, o Metropolitan (1994, depois ATL Hall, Claro Hall e Citibank Hall) foi construído dentro de um shopping na distante Barra da Tijuca.
Essa elitização do consumo de música popular entre nós acompanhou um importante aumento de profissionalismo dos artistas, cujos shows passaram a integrar circuitos internacionais, com grandes aparatos de luz e cenografia. Porém, é evidente que a fruição musical é apenas uma preocupação entre outras em um estabelecimento como o Credicard Hall, que comporta 7.000 espectadores e alardeia o fato de possuir suítes exclusivas para empresários que desejem fazer do show um "marketing de relacionamento". Não por acaso, João Gilberto foi vaiado na inauguração da casa, já que insistia em se preocupar com algo tão desimportante quanto o som.
Hoje, o aparecimento e a consolidação de teatros novos começam a desfazer o ruído criado entre projeto artístico e recepção pública em São Paulo, minando um modelo que pareceu único e inevitável durante duas décadas. Significativamente, aparece no mesmo momento em que a importância das gravadoras declina diante da pirataria (por camelôs ou pelo livre acesso à internet) e tanto a produção quanto o consumo de música parecem horizontalizar-se, ramificando-se. Capilaridade, multiplicidade, que são também os atributos maiores da vida urbana, feita de contatos imprevistos, em que a diversão (musical, por exemplo) é parte integrante do cotidiano das pessoas, posta em contato criativo com outras instâncias estruturantes da cidade, como moradia, trabalho, comércio, lazer e transporte público.

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